Dário Teixeira Cotrim *
Ecoa, agora, nos meandros teatrais de Montes Claros a belíssima peça de humor negro: O Defunto Premiado. O aporte desta peça tem produção imensurável para a sociedade, pois ela nos mostra até onde vai o interesse da pessoa humana pelos bens materiais deixado como herança. A disputa em família e as suas conseqüências desastrosas em meio à ganância dos mais espertos apenas servem para alimentar desordens. Aqui no palco como na vida real, a trama do drama é aceitável em termos fictícios e, ainda, reforçada com a importância do fazer-arte.
Nesse itinerário insaciável de mudanças é que os grupos teatrais montes-clarense vêm mostrando o que fazem e o que podem fazer muito mais adiante, em benefício das artes cênicas. Montes Claros, a cidade da arte e da cultura, agradece a Aldo Pereira a sua dedicação pela representação da vida. O teatro pode não trazer retorno financeiro, mas entre todas as formas de artes é a mais gratificante ao término de cada apresentação.
Aí está O Defunto Premiado! O drama tem elenco de primeira grandeza: dona Hermínia (Ingrid Brendha) está impecável no debate com a sua sogra, a dona Eulália (Shenia Lino). Ela chama para si toda a atenção dos espectadores sem prejudicar o brilho dos seus colegas. Veja que a participação de duas mulheres que fazem planos em família, lembra-nos (Arsênico e Alfazema) de Ana Lúcia Torres e Denise Weimberg numa comédia absurda, onde as duas aceitam hóspedes solitários e os envenenam na boa intenção de não fazê-los sofrer mais em um mundo sem afeto.
Entretanto, o destaque especial em O Defunto Premiado fica por conta do bilheteiro-de-loterias (Leonardo Moura), que não expressando muito por meio de palavras, expressou o bastante por meio de gestos o que arrancou do público gostosas gargalhadas. Aqui, o papel do bilheteiro-de-loterias, na combinação da mímica é sucesso garantido tendo em vista tratar-se de uma técnica vigorosa e atual. No geral todos os demais atores desenvolveram com grandeza os papéis que lhes foram atribuídos.
Aldo Pereira sempre usa o passado para a busca do futuro e da arte na sua essência. Isso quer dizer que ele é um criador-de-talentos para as artes cênicas vindouras. Acontece assim em vista da sua preocupação em sondar os espetáculos dos grandes atores do passado para projetar os seus ensinamentos em novos atores. Lembra-nos quando da chegada de uma companhia dramática ou de um circo de picadeiro, onde o palhaço punha em agitação a população da cidade. Fazer teatro é ser ousado. Aliás, é ser ousado e competente. E assim é Aldo Pereira.
- O humor negro, o que aqui é quase o caso, quando realizado no espírito da brincadeira, é interessante...
Sabemos, pois, que o diretor tem a incumbência de criar emoções, tanto nos trechos da peça como nas coreografias a serem apresentadas. Os intérpretes, por sua vez, a de transmitir essas emoções para o grande público. Em O Defunto Premiado os movimentos dramáticos são bem cuidados para que o espetáculo possa alternar-se num clima realista e fictício ao mesmo tempo. Não existem recursos financeiros. Afirma Aldo Pereira. E em conseqüência disso, os recursos técnicos também são escassos. Porém, o nosso diretor consegue reavivar a tradição das comédias de revistas e de costumes que tiveram dias de glória no Brasil até 1947. O Grupo Oficinato vem solidificando-se com temas populares, em acabamento visual e representação calorosa que restaura o teatro em Montes Claros e a sua magia dos anos dourados. O humor negro, o que aqui é quase o caso, quando realizado no espírito da brincadeira, é interessante, do contrário um horroroso pastelão.
O Defunto Premiado tem texto de Oraci Gemba e direção-produção de Aldo Pereira. A abertura foi feita por duas simpáticas jovens: a Jéssica e a Danielle. Percebe-se o talento e a desenvoltura dessas duas principiantes.
Disse Aldo Pereira no folheto de O Defunto Premiado que “foi bom voltar. Não só porque queríamos, mas principalmente porque o grande público exigiu. E é sempre bom voltar quando todos querem...”. Axé meu irmão, estamos de volta nas poltronas do teatro para lhe aplaudir, afinal você merece!
* Historiador e escritor