O bruxo e o blefe

Jornal O Norte
13/08/2005 às 00:39.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:49

 

Catilina

 

Rafa d’Paula, um aprendiz de bruxo e membro da Sociedade dos poetas (quase) mortos, quando de suas andanças pelo Nordeste tirou na loteria, mas quando foi buscar o prêmio foi assaltado. Ao atravessar a rua, caiu numa boca-de-lobo. A polícia cismou que ele estaria repassando contrabando (eram estátuas de madeira do Padim Cícero), daí que teve de saltar muito muro até sair em outro estado. Numa noite de delirium tremis foi apalpar uma mulata esplendorosa, só que no meio de suas pernas tinha era um trabuco.




Assim envolto em chagas de azar, foi procurar auxílio junto a um pai-de-santo de Teresina, um mulato de dois metros de altura e voz de tenor, muito amigo de Ari. Com o seu vozeirão, o representante terreno das coisas ocultas recomendou-lhe determinados serviços envolvendo velas e sangue.




Lá foi ele atrás de uma mulata beiçuda indicada pelo pai-de-santo, que fizera o mesmo tipo de trabalho, com pleno êxito, para Ari. Rafa d’Paula passou uma semana na alcova da mulata com a sua região glútea virada para o céu, enquanto ceras derretidas por labaredas dantescas exorcizavam o tinhoso.




O passo seguinte a livrar o infeliz do azar passava por uma segunda mulher, que em seu corpo ficou fazendo pinturas surrealistas ao estilo de Salvador Dalí, com o sangue daqueles três dias da condenação imposta à mulher primeva. O camarada era obrigado a ficar gritando Gala!, a esposa do excêntrico pintor catalão.   




Enfrentados todos os trabalhos recomendados, o aprendiz de bruxo teve de comparecer diante do pai-de-santo, para o passe final da liberdade. No caminho levou uma garrafada na testa, que uma mulher enfurecida lançara em direção à testa do marido corneado, errando o alvo escolhido. Pisou numa casca de banana lançada displicentemente numa calçada, batendo com a boca no chão e engolindo a dentadura.




Parou um pouco para descansar, o terreiro do pai-de-santo era longe. Sentou-se, sem o perceber, num formigueiro, daí a pouco a sua região glútea, ainda em recuperação da cera dolorosa, estava tomada por calombos das saúvas. Saiu correndo rumo a um riacho buscando refrescar o bumbum, enquanto xingava mentalmente Monteiro Lobato pela sua inócua campanha para se acabar com a saúva, antes que ela acabasse com o Brasil. Sua cabeça chocou-se contra uma casa de marimbondos, ele teve de ficar inteiramente imerso no riacho até a dissipação dos insetos alados das picadas dolorosas.




Finalmente na casa do enorme representante do oculto, com a sua altura de dois metros, encontrou-o com a sua voz de tenor inteiramente travestida em declarações de amor eterno a Ari, com quem se encontrava abraçado.





Rafa d’Paula percebeu, afinal, que tudo não passava de um blefe. Por coincidência, tinha ainda num dos bolsos um pedaço de uns vinte centímetros de uma vela de sete dias. Enfiou-a no rabo do babalorixá e foi embora.





Uns 300 metros adiante tropeçou num pesado pote de vaso, uma perfeita cerâmica nordestina, e fraturou a perna. O pote quebrou, revelando um mundão de ouro e diamante. Ou seja, com o vexame que o babalorixá teve de engolir é que o azar a perseguir o aprendiz de bruxo passou.




Ele mora hoje numa ilha grega que comprou.

               

* Vendedor de pequi e rapadura em Japonvar





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