O bailinho - por Ana Luisa Tomé

Jornal O Norte
Publicado em 22/06/2007 às 12:23.Atualizado em 15/11/2021 às 08:07.

Ana Luisa Tomé



Hoje passei a manhã revirando fitas antiqüíssimas-cobertas-de-traças-e-de-remendos-de-fita-crepe, num daqueles dias dignos de fazer surgir em você uma alergia que só vai se curar quando você tiver 60 anos. Ou não. A nostalgia me fez parar com uma fita intitulada Festinhas. Fiz aquela cara, aquela que a gente faz quando tenta cavar em algum canto fundo da memória um mínimo que seja de lembrança, uma vez que ela foi super-reativada pelo beliscão que uma palavra conhecida deu em mim. Desisti logo e resolvi enfiar a fita num vídeo velho que mora nos confins do galpão do quintal.



A cara de tentativa de lembranças mudou-se logo para uma de maior-espanto-impossível, com direito a mão na boca e sobrancelhas tocando a franja. Claro, a primeira frase que passou na minha cabeça foi:



- O que é isso?!



O que era, ladies and gentlemen, era uma fita repletinha de cenas gravadas em festinhas de aniversários e afins. Mas os afins eram os mais interessantes. Gravadas por algum pai, o espião-mor, eram cenas de festinhas feitas na garagem de casa, daquelas com lona puxado do teto pra ficar escurinho, com um rádio toca-fitas e vinil no canto (perto da porta pro fio alcançar a tomada sem extensão) e cadeirinhas nos dois extremos da garagem, um grupo para meninas e outro para meninos. Sim, gente, era o bailinho. Quando dei-me conta da garota loira e magrela que olhava com cara de brava para a câmera (sim, nada de pais), os flashs de memória começaram a me cegar.



Olhando para todas aquelas crianças tímidas (mentira, o bailinho foi totalmente calculado por mim e por uma série de amiguinhas malvadas para juntar casaizinhos não-declarados da quarta série), eu agucei a audição e a visão.Como era organizado! As meninas sentavam-se de um lado da garagem e os meninos do outro. A lona deixava um escurinho decente de gato-mia às quatro da tarde. Depois, era a longuíssima espera, acho que era um dos momentos mais longos da minha vida, por um convite vindo de um dos meninos do extremo oposto. Claro que cada par era previamente estabelecido por olhadelas e risadinhas, tudo isso na sala de aula. O primeiro menino a se levantar recebia ohs e mais risadinhas das meninas. Parava à frente de uma delas e dizia, na maior formalidade possível:



- Você aceita dançar comigo?



Não podíamos dizer não, claro. Mas ninguém dizia, seria a primeira a dançar! Era uma honra. E, a partir do primeiro menino, os outros tomavam coragem e se iam criando os pares. Claro que um ou outro sobrava, mas isso rendia a dança da vassoura, que é tema para outra conversa.



A distância de um braço esticado era pertíssima. Olhando a fita,



reparava que ninguém olhava para a cara do outro. E era lindo mexer-se-de-um-lado-para-o-outro ao som de Patiente, Mora than



words, Smooth operator, Listen to your heart e, no gran finale, Forever. No gran finale, digo, o beijinho tímido no rosto que garantia um mês sem olhar na cara do recém namorado.



Ah, os bailinhos! Lembro-me bem que eram os momentos ápices das festinhas,os eventos mais esperados das sextas feiras. Tudo com o maior consentimento e diversão dos pais. Olhando a fita-traça-e-crepe, senti falta dos meus 10, 11 anos. E pensava que fui, sim, precoce pra época. Mas senti, mais do que nunca e antes de mais nada, pena. Uma pena enorme pela extinção dos bailinhos. E, mais ainda, pena ao ver as meninas dos canudinhos e das calças com strass.



Cadê as fitas K7-love-songs, as brincadeiras de Barbie nas calçadas, os bailinhos, os chicletes com figurinhas não auto-adesivas de peixes do pingue pongue, as roupas em conjunto de algum personagem da Disney, os saquinhos de surpresa manufaturados?



Invejem, menininhos de 2007! Eu tive bailinho. Você não. Você tem a Xuxa cantando funk e eu tinha ela cantando Ilariê.

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