O alquimista dos pirineus - por Eduardo Lima

Jornal O Norte
Publicado em 11/12/2006 às 10:32.Atualizado em 15/11/2021 às 08:46.

A Bruxa de Portobello, o mais recente título de Paulo Coelho, naufraga se comparado à trajetória dos anteriores. No ranking, medido o tempo de seu lançamento, o novo livro apresenta o pior desempenho, dentre todos. Os eruditos estão eufóricos! Repetindo a velha fórmula, embutindo auto-ajuda numa linguagem de filosofia universal, Paulo Coelho volta a repetir Paulo Coelho. E só. Nada que o condene, pois a fórmula é sucesso e logo vingará. Tem sido assim em todo o mundo, onde nada de novo se faz. Tudo já foi inventado, tudo escrito, todas as canções compostas - só que o homem é inesgotável, mesmo que sucumba à finitude.



E sempre haverá uma nota se unindo a outra para compor a melodia que todos possamos cantar de cor. Vejamos; são apenas sete notas e o encantamento da canção é sete vezes setenta e setecentos e sete mil e milhões e infinitilhões.



Paulo Coelho descobriu esta lógica usando mais símbolos, pois as palavras seguem a regra da composição musical e se entrelaçam e vão compondo e vão traduzindo todos os sentimentos humanos possíveis de serem tocados e transcritos. Os autores superam a inteligência e propõem aos leitores algo que parece novidade, descrevendo e dando vida a situações, paisagens e pensamentos não vividos, invisíveis, impensados.



Já os críticos cobram dos gênios, dos inventores de caminhos, sempre o inusitado, como se ao artista não fosse autorizado repetir-se. Esquecem-se, numa análise fria e preconceituosa, que cada qual é um e nós somos exatamente nós, invioláveis. Basta ver, digamos, Roberto Carlos, que se parece com ele e se reinventa. Skank é o mesmo sempre, a cara dele.



As novelas se parecem com seus autores, que têm estilo próprio, uma grife para a criação. Jorge Amado escrevia como Jorge Amado, Machado de Assis como Machado e daí por sempre. Claro que há gênios, quem seja capaz de manter o estilo literário e não repetir a fórmula, monstros da canção e da escrita, como decerto foram os Beatles, exatamente iguais sem jamais fazer a mesma coisa.



Renasciam em cada canção, se ofertavam novos a cada manhã, diante de um novo sol, cheios de nova luz. Jamais se escondiam, embora usassem todos os disfarces. Drummond de Andrade foi assim, vário e único, paradoxal. Shakespeare, Oscar Wilde, Homero, Cervantes, Rosseau, Kafka, Sartre e muitos aos quais omito foram assim. Paulo Coelho não é gênio, sabe-se, embora seja esperto e competente. É apenas um escritor de singelezas, um inventor de meios, um homem atado ao presente, capaz de perceber a linguagem do mercado e demandar, traçar ilusões vendáveis. A crítica é muito dura com ele.



Talvez por que Paulo Coelho, ao invés de tuberculoso, ao invés de se arrastar na amargura e no desencanto, seja um homem pleno, rico, capaz de aproveitar a glória e o conforto. E não confiam, os puristas, que a literatura possa ser algo de fazer fortuna, já que os maiores símbolos dela morreram à míngua. Paulo Coelho é hi-tech, sabe fazer dinheiro com pequenas idéias, faz a alquimia de si e mantém um caldeirão de maldades borbulhante na sala de estar. Pessoalmente, não gosto dessa literatura, mas tenho por formidável quem consegue obter dignidade com literatura.



Eu gostaria muito de ser menos chato, às vezes empoado ou úmido de sigilos. Eu preferiria ser uma metamorfose ambulante e não apenas este caquético poeta de sensações menores.

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