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Sábado,10 de Maio

No toco da Jurema: Ato Heróico - por Ronaldo José de Almeida

Jornal O Norte
Publicado em 13/08/2008 às 09:54.Atualizado em 15/11/2021 às 07:40.

Ronaldo José de Almeida



Ainda mocinha Crisália já se enveredava pelo caminho da costura e com pouco tempo de profissão ganhou fama de excelente costureira, arrebanhando grande clientela.



Pedalando uma velha máquina de costura marca Leonam, Crisália passou a vida ao lado de Tristão, seu marido caminhoneiro, e das filhas Florência e Floriana, já casadas.



Com a chegada muito justa da aposentadoria, a costureira resolveu visitar a filha mais velha, que residia no Rio de Janeiro. Preparou durante alguns dias a viagem, cercada de grande expectativa, e partiu num final de semana.



No Rio de Janeiro foi recebida com grande alegria pela filha Florência, Arcândio seu marido e o filho Paulo Romário, 8 anos.



Durante o almoço Crisália manifestou vontade de visitar uma amiga de infância, sabia o endereço, porém, o genro Arcândio não dispunha de tempo para levá-la, devido ao expediente de serviço.  



- Não tem importância, Arcândio, eu pegarei o lotação - disse Crisália.



- É muito perigoso mamãe - disse Florência.



- Não se preocupem, sou velha mas não sou boba, sei me cuidar - falou Crisália decidida.



- Tudo bem, mamãe. O ponto de ônibus é aqui perto e o bairro onde a senhora vai não é muito distante.



- Irei amanhã bem cedo e voltarei após o almoço.



Na manhã seguinte, Crisália postou-se toda arrumada no ponto de lotação, ao lado de vários usuários. A tudo observava e, assim que o ônibus chegou, juntou-se aos demais passageiros na fila de entrada.



Quando subiu o degrau a costureira levou um forte esbarrão do lado esquerdo, voltou-se e não viu quem lhe deu o tranco, mas notou que o relógio que portava tinha sumido do seu pulso.



Muito assustada, Crisália acomodou-se numa poltrona. De repente avistou um negrão muito alto e forte, de pé no corredor, com o braço erguido e segurando a alça de apoio. No pulso do negrão espadaúdo reluzia o relógio.



Muito nervosa, Crisália abriu a bolsa e despejou no colo alguns poucos reais amarrados por uma borrachinha (o dinheiro maior estava dentro de um saquinho de pano, fechado por um cordão e sob o vestido, preso à cintura), um carnê do Ponto Frio com duas prestações a vencer, um santinho de Santo Expedito, um batom cor de uva já bastante usado, uma escova para cabelo, um molho de chaves, um retrato do Sidney Magal recortado da capa da revista Contigo, cartelas de Lexotan, Neosaldina e Celozok, gotas inseparáveis para pressão, além de uma tesoura e fita métrica.



Apanhou a tesoura e colocou tudo novamente dentro da bolsa, levantou-se e postou-se atrás do negrão.



Disfarçadamente, colocou a tesoura nas costas do rapaz, pressionando-a e fazendo com que o homem assustado desse um passo à frente. Em seguida a velhinha costureira disse em voz baixa:



- Devolva meu relógio, pilantra!



O negrão, assustado, olhou para ela de olhos esbugalhados e entregou o relógio.



- Agora desça no próximo ponto - disse com autoridade a velha senhora, cutucando o homem com a tesoura.



O negrão, com o corpo enrijecido sob a ponta da tesoura, obedeceu e Crisália sentou-se novamente satisfeita.



No final do dia, ao retornar à casa da filha, Crisália, à mesa de jantar, expôs sua façanha, mostrando a todos o relógio, quando então Florência ficou de pé e, muito sobressaltada, falou:



- Minha mãe, a senhora saiu de casa sem o relógio, esqueceu ele no lavatório do banheiro...

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