No sports

Jornal O Norte
26/10/2006 às 10:37.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:43

Délio Pinheiro *

Noite de quinta-feira, uma noite abafada de um dia chuvoso, embora naquele momento, na avenida, alguns esportistas faziam sua caminhada diária, e não estivesse chovendo. Devia ser por volta das 8 e meia da noite, já que aquele era o horário do jogo. O jornalista veterano empurrou algumas cadeiras frias do bar, pediu uma limonada e cumprimentou alguns freqüentadores, que responderam secamente. Depois ele se sentou e passou a assistir ao futebol na TV por assinatura. Era jogo do time que ele detestava. Mas não havia absolutamente nada que ele pudesse fazer em casa. Então, secar um pouco o Cruzeiro pareceu-lhe um bom programa para aquela noite.

Entre um gole e outro da limonada, o jornalista, às vezes, olhava para a avenida, chamada “do cooper”, embora tivesse o nome de algum ex-presidente. Os últimos caminhantes passavam céleres com seu i-pods na calçada à frente, indiferentes ao olhar do jornalista, que buscava algum conhecido ali, em busca da juventude perdida, para que pudesse fazer alguma brincadeira ou simplesmente acenar. Mas todos passavam indiferentes. Então, o jornalista lembrou-se das sábias palavras de Winston Churchill, quando o político inglês foi perguntado sobre o que ele fazia para se manter com aquele vigor com quase 90 anos. Churchill, fumando um longo charuto, deu a dica: “No sports”.

Então o jornalista, que tinha uma barriga à la Churchill e hábitos tão sedentários quanto, voltou-se para o jogo, contra a Ponte Preta, em Campinas. Quem sabe a Macaca não pudesse lhe dar um pouco de alegria naquela noite.

Noite de um dia em que seus problemas ganharam dimensões sérias, já que o prefeito de uma pequena cidade da região, onde ele trabalhava como assessor de imprensa, sinalizou que não estava disposto a continuar com o trabalho, já que a oposição estava batendo pesado no fato de o jornalista ir ao município empoeirado apenas uma vez por semana. Ele chegou a argumentar que poderia ir duas vezes, se fosse mesmo necessário, mas percebeu que o prefeito pretendia mesmo acabar com a parceria que já durara quase 2 anos. Nessa hora ele pensou que deveria mesmo ter feito o jornalzinho sobre a administração, como dissera no primeiro encontro com o jovem prefeito, e que deveria ter feito seu trabalho com mais capricho. Mas aquela situação ainda podia ser revertida, e não era a primeira vez que o jornalista se vira na iminência do desemprego. Algumas vezes ele chegou mesmo às vias de fato, quando foi ajudado por algum político ou por algum empresário que algum dia fora seu amigo de infância. As coisas se encaixariam, como sempre, pensava tristonho, entre um gole e outro de sua limonada suíça.

Ao longo da avenida, nas noites de jogo não televisionado pela Globo, muitos carros ficavam estacionados nas proximidades daquele bar. E dois garotos, um de treze e um de doze anos, faziam o trabalho de “vigiar” os carros em troca de algumas moedas. Eles sabiam que era no intervalo do jogo e, principalmente, no final, que as pessoas se deslocavam até suas Blazers e Eco Sports com ar condicionado e jogavam suas moedinhas para eles. Naquele momento, 25 minutos do primeiro do tempo, não havia nada que pudesse ser feito. Então eles se aproximaram de um tronco ressequido de árvore que ficava na calçada e passaram a ver, quase sem nenhum interesse, ao jogo da TV. Embora ambos gostassem de jogar futebol, não tinham lá grande motivação em perder quase duas horas vendo uma partida pela TV. Na verdade eles gostavam mesmo era de informar o placar aos freqüentadores que chegavam curiosos ao bar. “Tá empatado”, “0 a 0, mas só tá dando a Ponte Preta”.

O jornalista, vendo os meninos perto de onde ele estava, e separados apenas por uma cerca de arbustos, acenou para que eles se aproximassem. Os meninos acharam que era para pedir algum favor, mas o jornalista perguntou o nome deles. Eles titubearam, embora já tivessem visto aquele senhor por ali algumas vezes, sempre a pé e sempre às voltas com seus sucos de limão. Com um aceno simpático, o jornalista perguntou se o gato tinha comido a língua deles. Os garotos sorriram e disseram seus nomes, Maike e Junior. O Maike do primeiro era uma homenagem para um ex-campeão de boxe que o pai dele gostava. Já o Junior, era de Sebastião, o mesmo nome do pai do menino. Mas ele detestava ser chamado de Tião. E o jornalista então perguntou:

- E vocês, sabem o meu nome?

Os garotos se entreolharam. Eles não tinham a menor idéia, embora o jornalista imaginasse que quase todos naquela cidade o conhecia, ainda mais depois de uma ficha corrida no jornalismo como a dele.

- Não sabem?- insistiu o jornalista.

Diante da negativa dos meninos, ele propôs um desafio, que acabara de inventar.

- Olha, eu sou um jornalista bem conhecido da cidade e vou dizer três nomes e se algum de vocês adivinhar qual o meu entre esses três, eu pago um refrigerante para cada um, combinado?

Os meninos assentiram, imediatamente.

- Então lá vai: Arthur, Willian ou João Carlos. Você primeiro- e apontou para o Junior. O menino cofiou o seu projeto de bigode e disse, com uma voz miúda:

- Arthur.

O jornalista fez que não com a cabeça e apontou para o Maike:

- Sua vez.

O menino pensou por um instante, e se lembrou de uma famoso jornalista da TV que se chamava Willian, e arriscou, convictamente:

- O senhor se chama Willian.

O velho jornalista vacilou por um instante e depois desenhou um sorriso de aprovação em seu rosto vincado e disse:

- Muito bem, você acertou. Parabéns.

O meninos ficaram eufóricos. Então o jornalista virou-se para o garçom e pediu para que ele trouxesse duas cocas para os meninos. Quando o garçom já levava o pedido, o jornalista ainda o chamou uma vez mais:

- E traz também meia porção de fritas para os garotos.

Os garotos deram uma bela risada de aprovação, e o Maike chegou a exclamar que o jornalista era o “maior”. O velho jornalista quedou-se então para a direção do telão e viu a Ponte Preta dar uma bela pressão no Cruzeiro. “Agora só falta esse timinho perder para eu ganhar o dia”, pensou.

Logo veio o intervalo do jogo e também o pedido dos meninos. Depois de saborearem as batatas e os refrigerantes, eles ficaram atentos. Realmente alguns freqüentadores do bar ganharam o rumo de seus carros, e eles faturaram algumas moedas. Depois, quando o jogo reiniciou, eles voltaram para junto do jornalista.

- Pois é “seu” Willian, quer dizer que o senhor é jornalista?- Mike era quem perguntava.

E o jornalista acenou afirmativamente. E depois passou a contar algumas de suas peripécias, das entrevistas com autoridades e com jogadores famosos. E depois que já ganhara vários prêmios dos colunistas sociais da cidade, que já despertara a paixão de algumas fãs, e que trabalhara em rádio, em impresso e que agora era assessor de imprensa de uma importante cidade da região. Os meninos ficaram encantados.

Naquele momento, um velho amigo do jornalista entrou no bar olhando atentamente para o telão. Ele perguntou ao primeiro freqüentador que encontrou quanto estava o jogo. “Tá 0 a 0”, disse o rapaz. Então ele se voltou para as mesas, onde pretendia ver os quinze minutos finais, e deu de cara com seu velho amigo de segundo grau. O velho jornalista avistou o amigo no mesmo instante e ficou de pé para dar-lhe um belo abraço.

- Olha quem está aqui, e ainda por cima secando o meu Cruzeiro- o amigo recém-chegado abriu os braços em direção do jornalista.

- Oi Ari, como é que vai essa força?- perguntou o jornalista.

- Bem demais meu velho amigo João Carlos.

E logo o jornalista, que de fato se chamava João Carlos, convidou o amigo para se juntar a ele.

Do lado de fora do bar, os meninos deram um sorriso, surpresos, e logo se puseram a caminho de um casal que deixava o bar, em busca de suas míseras moedas. Foi nesse instante que o Cruzeiro fez o gol da vitória, aos 40 minutos do segundo tempo.

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