Leila Silveira Miranda *
A gente acostuma, mas não devia....
Ainda sob o efeito do trauma do vôo 3054 da TAM, onde a cada capítulo da investigação em curso, se descobre novas não-conformidades, para suavizar os erros e imprudências cometidos, descobri-me mais alerta e ligada nas questões de (IN)segurança, que infelizmente são ainda marca registrada em nossas cidades, ruas, empresas, corporações, construções , transportes e demais atividades urbanas.
Como cidadã e usuária de seus serviços, é natural, sempre que necessário e útil, use este espaço para reclamar e reivindicar do poder público, medidas urgentes e preventivas no sentido de preservar a vida humana de desconfortos, traumas, e potenciais acidentes, motivados por flagrante displicência das autoridades constituídas e responsáveis pelas providencias que não podem mais esperar.
Hoje vou tratar especificamente da precariedade da nossa (in)segurança de tráfico, uma das Áreas que deveriam ser prioridade da Administração Pública, assim como saneamento, meio ambiente, moradia, etc.
Como outras mães, babás, pais, professores, funcionários e transeuntes em geral, enfrento assustada e diariamente (pelo menos duas vezes ao dia), a arriscada travessia da Avenida Belo Horizonte (uma das mais movimentadas da cidade) ao lado da Igreja Santuário e em frente à escola/berçário Pedacinho do céu, acompanhando meus filhos (crianças de 9 e 7 anos apenas) na perigosa aventura de conduzi-los ao saber, sob constante ameaça de atropelamento por automóveis e motos que inescrupulosamente trafegam em alta velocidade, sem a menor cerimônia, e o que é pior, nos dois sentidos , deixando desorientados, os indefesos e desprotegidos pedestres.
Sabidamente, somos, como todo e bom país tropical, sem neve e inverno rigoroso, onde desde caminha em se plantando tudo dá, uma sociedade que não preza pelo planejamento, pela prevenção, sobrando improviso, despreparo, indisciplina e o famoso jeitinho brasileiro.
Num momento que estamos pleiteando ser uma nova potência econômica global, buscar assento no Conselho de segurança da ONU, liderar o Mercosul, revolucionar o modelo energético mundial com o biodiesel, democracia consolidada, submarino nuclear, Angra 04, autonomia petrolífera, liberdade ideológica, TV digital, justiça social, poderes independentes, revolução educacional, privatizações, queda de juros, estabilização da moeda, inflação baixa, ganho real no salário mínimo, reforma tributária, CPIs a torto e a direito, Brasília/Políticos vigiados sem trégua por uma incansável e atenta Imprensa, está na hora de voltar mais os nossos olhos para as questões locais que nos afetam diretamente, ouvir os cidadãos, mapear os problemas, resolver os mais simples, priorizando pequenas melhorias que, se não traduzem em votos futuros, conferem conforto, paz, tranqüilidade e qualidade de vida do nosso dia-a-dia .
Todo genuíno político adora perenizar-se com uma grande obra (se possível a maior da historia do seu país, estado, município...), mesmo porque elas são realmente, via de regra, importantes e necessárias.
Porém, uma coisa não impede a outra, pois são rubricas diferentes, tratamentos financeiros diferentes, responsabilidades diferentes, envolvimentos diferentes, orçamentos diferentes.
Rapidamente posso citar também a travessia da Avenida Dulce Sarmento, bem próximo ao meu consultório no edifício Master Center, local onde falta um semáforo, acarretando freqüentes acidentes.
Imagino que, como esses, devem existir vários outros locais de semelhante periculosidade.
O que mais me chama a atenção é que os exemplos citados situam-se no centro da cidade, onde transitam e vivem a camada mais bem esclarecida e de melhor nível social, com conseqüente maior poder de fogo e nível de exigência junto ao poder publico.
Fico imaginando nos locais mais ermos, nos bairros mais carentes, na periferia, o que pode estar acontecendo...
A quem devemos recorrer ...?
Às autoridades constituídas ou apelar para o combativo Procon, velho paladino das causas populares?!
Mas o leitor, sagazmente, deve estar se perguntando:
O que isto tem a ver com psicologia e com esta coluna?
Psico (do grego psique) significa alma e logia (logos) é estudo). Portanto, psicologia é a ciência que estuda os processos mentais (sentimentos, pensamentos, emoções, razão) e o comportamento humano. Através dela podemos fazer uma análise dos fatores que afetam o nosso bem-estar e o sentido que damos para nossas vidas. Isso envolve o funcionamento e a busca pelo aprimoramento físico, psicológico e espiritual de cada ser humano, levando em conta as características do meio ambiente em que vive.
Conforme o emérito Vigotsky, ícone da psicologia educacional, o desenvolvimento humano é um processo histórico mediado pelas várias relações, objetos, organização do ambiente que rodeiam o individuo.
Também a psicogeografia, que já está em voga desde os anos 90, trata justamente do estudo das leis precisas e dos efeitos exatos do meio geográfico, conscientemente organizado ou não, em função de sua influência direta sobre o comportamento afetivo dos indivíduos.
Diante desta reflexão, se as características do meio ambiente são tão importantes, o que fazer quando acostumamos a conviver com o medo, (cuja função real é justamente de alertar-nos dos perigos) quando este passa a fazer parte integrante do nosso cenário diário.
Como Marina Colassanti adverte em sua célebre e sensível poesia, a gente infelizmente se acostuma, mas não devia....
Profética e metaforicamente ela nos sacode ao concluir que “a gente se acostuma para poupar a vida, que aos poucos se gasta, e que gasta de tanto se acostumar, se perde de si mesma”.
* Psicóloga, professora do Isemoc/ Funorte
leilasilveira@bol.com.br