Nelson Mendes Pereira *
Tardos foram os passos das renas ao puxarem o trenó que transportaria o amado velhinho de barbas brancas e vestes encarnadas ao encontro do Mariano nesse difícil vinte e cinco de dezembro, data maior da Cristandade.Tão devagar e sem entusiasmo estão andando aqueles pequenos e belos animais, que o meu amigo Mariano, no seu doído ostracismo, já não tem esperanças de que a carruagem dos seus sonhos, qual nau sem timoneiro, aporte a sua vivenda, adentre a sua morada.
Com a marca da dor traduzida pelos seus olhos fundos, na sua tez macerada, no trêmulo andar de seu frágil e cansado corpo, no seu semblante desiludido e na miserável solidão de todo o seu ser, encontrei aquele meu amigo, roto e cambaleante, vagando a esmo, friorento, sedento e faminto, abandonado e desgraçadamente só, no dia de Natal.Meu Deus, seria isso o natal de que todos falam e de que tantos gostam?Se assim for, melhor será ignorá-lo, relegando-o ao esquecimento.
Tão absorto estava o meu irmão Mariano, mergulhado no seu turbilhão de sofrimento e de desilusão, que nem mesmo o fragor dos sinos badalando na fervilhante Belém, se fez ouvir ante os tímpanos seus; também não lhe foi possível perceber as luzes dos presépios da cidade, porque os seus olhos, já cansados pela inútil espera do velhinho das ilusões, cederam lugar ao sono, levando-o ao torpor de profunda e benfazeja inconsciência, e se fecharam na imensidão da sua dor.
Meu Deus, a minha alma ante tão tétrico quadro, pasma e aos soluços, quedou-se muda e não entendi mais nada, ao observar que, ao invés do trenó, passavam carros e mais carros por aquele filho Vosso, cujos motoristas apressados para comprarem ricos presentes para os seus entes queridos, ou correndo ao encontro de sua lauta ceia de Natal – de novo você a machucar-me a alma -, sequer se preocupavam com o enlameado Mariano caído na calçada, atirado à sarjeta, qual circo de horrores, pela indiferença dos homens (também nossos irmãos), e que tinham como objetivo único a esperada festa que se avizinhava.
Mas a que grande, a que retumbante e fantástica festa estou eu, que não fiz parte dos comensais, a me referir? Os meus caminhos obviamente também não me levaram (talvez porque estou sempre a me lembrar de todos os Marianos do mundo), não me levaram, repito, a nenhuma festa.Também eu a perdi.Mas era apenas Natal!
* Cidadão Brasilminense e sócio da ACLECIA