JC Junot
Ex-aluno do Conservatório e ex-barítono do Coral Lorenzo Fernandez
Toco violão desde menino. Os primeiros acordes foram numa guitarra de mentirinha que eu Vaguinho, Geu e outros apaixonados fizemos no quintal com restos de madeira. Cortávamos, serrávamos, pintávamos, colocávamos cordas e as pendurávamos sobre o ombro todo prosa. O trabalho árduo era recompensado pelo sucesso que fazíamos com as garotas nos finais de tarde, na garagem. Era quando dublávamos Roberto, Erasmo, Renato, Elvis ou qualquer outro artista que as atraíssem.
Paquerávamos usando o novíssimo truque do play-back, que nem em sonho imaginávamos existir. Aliás, essa era a principal intenção de qualquer garoto nos anos 60 e 70, ao pendurar uma guitarra.
Em Montes Claros ou em Londres o objetivo era o mesmo. Anos mais tarde, assistindo a um documentário de Martin Scorsese sobre os Stones, vi Keith Richard dizer que tudo que eles queriam era “pegar umas garotas”.
Havia quem usasse o carro e o dinheiro do papai, mas no nosso caso e no dos Stones o poder da guitarra teria que falar mais alto.
Tudo ia bem até que meus pais preocupados ou equivocados com o gênero musical que o filho praticava me deram um cavaquinho. Não sei de onde tiraram a idéia que, apesar de empolgante, não prosperou. Não me entendia com aquele instrumento pouco popular entre os jovens que amavam os Beatles e os Rolling Stones. E em terra de Brucutus, Les Cherries, Beto, Patão, Tiupas e Cabaré seria uma heresia mudar de ritmo.
Por obra do destino ou por mero descuido pisei sobre o cavaquinho e adeus instrumento. O braço partiu ao meio, sem a menor chance de conserto e concerto.
Foi aí que numa ida às Casas Buri voltei com um Giannini modelo 28, tinindo de novo, que minha mãe não hesitou em comprar. A novidade encheu a casa. Meus vizinhos e eu decidimos aprender violão não importando o quão difícil fosse desvendar os mistérios dos acordes.
Mais uma vez a providência se manifestou. Um dos interessados era meu vizinho de muro, Ivan Clementino. Já naquela época alguém lá em cima olhava por ele e nas primeiras tentativas aprendemos a tocar de verdade uma música do Roberto. Depois, Ricardo Fróes apresentou “Menina”, de Paulinho Nogueira, que tiramos também sem problema. Ivan apareceu com uma canção sofrida, “Ave Maria no Morro”, de Herivelto Martins, Aramis Mameluque com “Canteiros”, de Fagner, e seu primo Gustavo com “Verde é maravilha”, do Grupo Raízes, que adorávamos. Ainda me lembro de um show deles no Cine Montes Claros que meus pais me levaram para assistir.
A cada sessão o repertório crescia. Eu contribuía com as versões dos Beatles. Afinal, quando nasci She Loves You explodia na cabeça e nos corações dos jovens do mundo. Graças a Deus cheguei na onda do “eieiê”. Jamais seria um sambista de nota. Mas com a idade a gente vai se transformando e vira pop. Assim meio rock, meio bossa; romântico, como Roberto e Rod Stewart. E acaba ouvindo um blues com um copo na mão.
Como nem todos naquela turma eram protegidos do Todo Poderoso, decidi pedir ajuda a “São” Lorenzo Fernandez, famoso milagreiro, que fez o que pode.
Com a música consegui eternas amizades, bons negócios e paixões enlouquecedoras. “Peguei” algumas das garotas que quis e quase todas que me quiseram. A música tornou meu mundo especial, sem fronteiras. Como diria Jorge BenJor: “posso não ser um bandleader, pois é. Mas muitos camaradinhas, meus amigos, me respeitam. Essa é a razão da simpatia, do poder, do algo mais e da alegria”.
Até hoje a música está presente em tudo que faço. Ela se tornou extremamente útil a minha vida. Tive o privilégio de aprender a compor e já fiz mais de cem canções. Ganhei festivais, tive bandas e vi outros artistas gravarem minhas músicas. Gravei um vinil e um CD autoral e produzi alguns artistas. Nada mal pra quem começou com uma guitarra de mentirinha.
Por causa da música tive o prazer de entrevistar iluminados, quando repórter e apresentador de TV. Gente do quilate de um Godofredo Guedes e de um Tom Jobim, de um incerto Tim Maia e de um certíssimo Sammy Davis Jr, de um tropicalista Caetano e de um matuto Zé Coco do Riachão. Sem esquecer da vanguardista Aline Mendonça.
Já como publicitário tirei proveito da música. Fiz dezenas de jingles pra vender de tudo, de cerâmica, a imóvel e crediário fácil.
Mas foi como profissional de marketing político que tive o prazer de trabalhar em campanhas, cuja música do candidato era minha: de governador de estado a vereador, de deputado a prefeito. Aí eu tinha a felicidade de ouvi-la várias vezes num mesmo dia. E em vários lugares ao mesmo tempo. Com todo mundo cantando, feliz da vida.
Por tudo isso, não me cansa concordar com Caetano: “Como é bom poder tocar um instrumento”. Mesmo que de mentirinha.
Viva Dona Marina! Antonieta! Marcos Tadeu! Mangnani! Tico Lopes e Tino Gomes.