Não sabia que pechinchar era coisa de cigano

Por Patrícia Gomes

Jornal O Norte
Publicado em 05/09/2013 às 09:31.Atualizado em 15/11/2021 às 17:10.

Por Patrícia Gomes

(Isso aconteceu num lugar muito, muito distante, onde quase não se via gente e a poeira parecia dominar a paisagem...)
 
Boa noite, senhora!
Noite!
Aqui no hotel tem garagem?
Tem. É o único com garagem na cidade.
E quanto é a diária?
(a senhora olha lá fora, repara no carro do casal) É cem reais a pernoite.
Mas, cem é muito caro...
Não posso fazer mais barato. O apartamento é de luxo, não sabe?
(O hotel fica nos fundos do restaurante do posto de gasolina sem bandeira, a cidade tem seis mil habitantes, nada parece tão luxuoso) A senhora consegue um descontinho, não?
Não, meu filho. Não tem jeito...
(O homem vai até a porta e pede socorro à mulher que espera no carro) É cem reais...
O quê???
Vem aqui conversar com a dona do hotel. Ela parece irmã do Sarney!
(Conversa de mulher)
A senhora tá boa?
To! Como vai você?
Tudo joia! Vem cá, a diária é cem reais, é isso?
Isso mesmo, não posso reduzir o preço.
Posso ver o quarto?
Claro, minha filha!
(As duas seguem até o quarto. A senhora abre a porta, daquelas que parecem que vão se quebrar, de tão frágeis) Eu pago setenta, pode ser?
Não. Setenta é muito pouco... Por oitenta faço este outro aqui.
(Elas entram em outro quarto sem geladeira ou ar condicionado) Deixa eu contar uma coisa pra senhora. Eu pago setenta pelo quarto com ar e frigobar. A senhora não me venha com conversa...
Setenta, minha filha? Mas, com um carrão desses...
(Bingo!)
Minha senhora, esse carro é emprestado, é da minha mãe. Eu só tenho setenta reais e, olhe, já vou subir com as malas.
Oitenta...
Setenta.
Oitenta...
Setenta.
Oitenta...
Setenta e cinco, tá bom?
(As duas apertam as mãos carinhosamente) Minha filha, tu tem alma de cigana, é?
Eu, por quê?
Mas, vai gostar de pechinchar! Cigano é que é assim, só para de pedir quando consegue!
(Risos, muitos risos)
(O casal sobe as escadas. O quarto é bem simples, uma parede mofada, roupa de cama de procedência duvidosa, papel higiênico tipo lixa, ar condicionado mais sujo que ventilador de zona boêmia... Ele vai tomar banho, a torneira do chuveiro sai de uma vez e pelo buraco na parede é jorrada de forma truculenta a água que deveria cair do alto) Vou tomar banho assim mesmo. To cansado demais pra reclamar.
(Ela repete a feita e se aventura num banho que passa longe dos moldes tradicionais de qualquer civilização. Ao sair, reflete) Essa irmã do Sarney cobrou foi muito caro. Setenta e cinco reais pra levar chicotada de jato d’água no lombo e ter que lavar o cabelo com a cabeça encostada na parede? Como faz pra lavar as pernas??? Desaforo...
(Todo mundo ri, inclusive a irmã do Sarney, certeza!)

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