*Manoel Hygino
Pedro Sérgio Lozar ligou seu nome à difícil arte de escrever, ao correto uso da língua portuguesa, em que já produziu dezenas de artigos e livros de orientação e, ainda, de traduções. Lembro agora “Fale sem receio, escreva com prazer”, lançado há uma dúzia de anos, mas perfeitamente útil porque as dúvidas em torno do Português persistem, e persistirão.
Mas Lozar é também excelente ensaísta, comprovado em trabalhos como “A vida surpreendente de Fiódor Chaliápin”, que acaba de ser distribuído às livrarias.
Nesta época de raps e funks, que expõem a anti-música de agora, evocar a personalidade de uma das maiores personalidades da verdadeira arte é iniciativa digna de interesse e de respeito.
O autor inicia o ensaio com três linhas fundamentais, justificadoras da publicação: “Fiódor Ivánovich Chaliápin foi um cantor lírico russo – baixo profundo –, considerado um dos maiores, ou para muitos o maior do século XX no registro”.
Eu, pessoalmente, me situo entre os últimos, prazerosamente, porque me encantei com sua voz e interpretação desde os bons tempos de adolescente. Deve estar em meus guardados preciosos gravação muito antiga em que há a morte de Bóris, da ópera “Bóris Gudonóv”, de Mússorgsky, uma notável criação de Chaliápin. O papel exigiu do cantor um estudo da ópera inteira, orientado tecnicamente por Rachmáninov, e saber, de memória, todas as partes da obra, além de aspectos históricos do personagem, usurpador do trono russo (1551- 1605).
Para seu ensaio, o autor recorreu predominantemente a dois livros de Chaliápin – “Páginas de minha vida”, publicado em Moscou em 1917, e “A máscara e a alma-meus 40 anos nos teatros”, Paris, 1932, ambos em russo. O segundo livro foi severamente cortado pela censura da URSS e, em 1927, registrou-se ainda um episódio revelador. Chaliápin distribuíra elevada importância entre famílias de emigrados russos em dificuldades. Acusado de amparar inimigos da revolução e da pátria, contribuiu para que a Imprensa bolchevista insistisse em denegrir-lhe a imagem, a que se juntou uma poesia em que era acusado pelo poeta Maiakóvski. Em seguida, foi-lhe cassado o título de Primeiro Artista Popular da República, o que muito o magoou pelo resto da vida.
Vale a pena conhecer Chaliápin: nasceu em 13 de fevereiro de 1873 (pelo calendário introduzido na Rússia pelos soviéticos), em família humilde. Foi em Kazán, velha cidade asiática, capital da Tartária, conquistada para sua pátria por Ivan, o Terrível. Ali, o cantor, aprendiz na oficina de sapateiro de Andréiev, conheceu Gorki, com ele concorrendo a uma vaga no coro da igreja. Foi o princípio de uma carreira consagrada, que Lozar muito bem descreve.
