*Cláudia Gabriel
Faltavam ainda alguns minutos para a sessão de cinema e achei que poderia aproveitar o tempo pra resolver um problema no meu celular. De uma hora pra outra, ele havia deixado de reconhecer a rede Wi-fi. O funcionário da loja disse que a causa deveria ser falta de atualização. E foi logo conectando meu aparelho para tentar solucionar o incômodo. Alguns minutos depois, a notícia. O celular estava atualizado, mas todos os meus números, mensagens, fotos, notas – tudo o que estava guardado na memória do meu pequeno computador – havia simplesmente desaparecido.
Num primeiro momento, achei que era brincadeira. Ele continuou sério. Aí sim. Fiquei branca e me senti no escuro. Mais de 400 contatos sumiram. Fui para o cinema com uma sensação de vazio. Na tela, as neuroses de Woody Allen. Na cadeira, uma espectadora perdida. Eu só enxergava os personagens que, de repente, já não faziam parte da minha vida. Amigos próximos e distantes, passado e presente, contatos profissionais, prestadores de serviços. Eu agora já não reconhecia mais ninguém.
Saí do filme com a certeza de que precisava me acalmar. Os sentimentos, aos poucos, foram mudando. Primeiro, um tema recorrente. Quanto mais escrevo sobre isso, mais situações aparecem com o mesmo recado. Montar uma nova agenda seria uma oportunidade de definir quem ainda fazia sentido pra mim.
Depois, imaginei o quanto seria bom me surpreender com algumas ligações, tentar adivinhar a voz de quem estava do outro lado. Há quanto tempo não sabia o que era isso... Aprender a ouvir com vontade. E saber esperar o contato. Ser procurada porque eu já não tinha mais como procurar.
Por via das dúvidas, mandei um e-mail coletivo e uma mensagem no Facebook, avisando da “perda”, e as respostas começaram a chegar. Solidárias, engraçadas... Foram tantas as combinações de algarismos que eu me confundia ao salvar todas. E algumas vinham em dose dupla ou tripla. Números de casa, escritório e de mais de um celular. A recordista é uma amiga que tem 5 telefones! Anotei cada um, agradecida pela consideração.
Numa das respostas, um amigo me sugeriu: “Cláudia, escreve tudo no papel pra não perder de novo”. E me lembrei das cadernetinhas fofas da minha infância, onde eu caprichava na letra pra deixar os contatos bonitinhos. A dependência eletrônica deixa a gente ansiosa. A qualquer momento, tudo pode sumir. E a memória fica preguiçosa.
Pensei também no limite do que é recuperável na vida. Isso porque, depois de achar que havia perdido tudo, descobri sozinha em casa que eu ainda tinha pouco mais de 100 contatos no meu chip. Eram, todos, nomes de pessoas que cruzaram o meu caminho há mais tempo, algumas já bem distantes. O estranho foi que não comemorei essa descoberta. Eu tinha gostado de conviver com o escuro e me acostumado à ideia de começar de novo.
No fim, a minha agenda está mais gordinha. O bom é que ficou mais viva também. Colegas virtuais aproveitaram a deixa e mandaram seus números que eu nunca tive. Registrei tudo. Ainda me pego, às vezes, precisando ligar pra alguém pra tentar achar outra pessoa. Isso atrasa um pouco meu imediatismo, mas não é ruim. O celular continua sem identificar as redes Wi-fi. Eu? Entendi a mensagem que chegou pelas mãos do funcionário da loja... Quando está tudo certinho demais, surge o imprevisto pra bagunçar e arejar a rotina.