Molin Rouge Tupiniquim

Jornal O Norte
22/07/2005 às 16:33.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:48

Raphael Reys *

Transcorria o romântico ano de 1954, na tradicional e não ordeira Montes Claros, do coronelismo, da poeira e da lama. As três maiores atrações da cidade de então eram a feira do mercado municipal, aos sábados, a zona boêmia, com mais de duas mil profissionais da noite, e o Cassino Minas Gerais, empreendimento modernista, montado pelo saudoso Sinval Amorim, ao estilo das grandes casas noturnas das metrópoles. Nossa cidade era a capital dos prostíbulos e da jogatina.

Crianças ainda, tínhamos notícias das festas do Minas Gerais, das damas da noite, estrelas da cama, do luxo, notícias do pano verde e principalmente de um certo show de strip-tease, executado rusticamente por uma conhecida loura frogoió que, ao que contavam, lá pelas tantas tirava a roupa no palco, e dançava.

Curiosos, nos reunimos na Praça Coronel Ribeiro, liderados por Walter Coutinho, o mais arrojado e mais velho do grupo. Formamos um comando, visando de alguma forma ter acesso à visão do interior do cassino no horário do show. Corríamos atrás dos momentos felizes da nossa infância, no dizer de Rachel de Queiroz:

A mocidade é como catapora; não dá duas vezes.

Às cinco da matina, estávamos todos prontos para a Operação Voyeur. Descíamos na quietude da Rua Doutor Santos, e lá chegando, amontoávamos caixotes de madeira, próprios para transporte de cervejas, deles fazendo uma plataforma para termos acesso à abertura de ventilação do imóvel e, dali, vermos a loura dançando nua.

Da turma de infantes faziam parte, além de outros, Zé Carlos e Paulinho Priquitim, Odorico e seu irmão, Wagner e Chiquinho Coutinho, Nano Cândido, e muitos outros que a lembrança trai.

Chegávamos pela Rua Lafetá, toda coberta de areia, cheia de seixos polidos, pequenas moitas, e um curso de água perene. Escondíamos atrás das moitas, em frente a onde hoje é a padaria Globo, enquanto os caixotes eram amontoados pelos mais velhos. Eles sempre subiam primeiro e, quando chegava a nossa vez, algum habituê do cassino passava e nos enxotava aos gritos. Era um tremendo corre-corre, evitávamos ser identificados, pois, se isso acontecesse, seria lastimável, já que não perdoariam aquela ousadia.

O que mais ficou marcado na minha lembrança era a cena final da noitada, quando nos escondíamos atrás das moitas para observar o cassino ao ser lavado, e as mesas na rua, todos ainda bebendo, homens de terno, e as mulheres em vestidos e saias rodados, estilo garota do Alceu, feitos com tecidos Bangu de florzinhas e listrados Nova América, cintos largos de couro, com grandes fivelas, brincos argola-gigante, tipo balangandã, pulseiras em coco e ouro, a moda da época, apertados vestidos tomara-que-caia.

Voltávamos para casa ainda escuro e comentando a semelhança das mulheres noturnas com as atrizes e cantoras da época, as fortunas que se dilaceravam no pano verde, as triangulações amorosas entre cáftens, damas da noite e clientes. Notícias dos crimes ali cometidos, os incidentes entre os valentes da época. Era tudo uma grande aventura nas nossas cabeças de meninos.

Muitas vezes, ao irmos embora, sentíamos o cheiro de lança perfume Rodhia, usado pelos freqüentadores, que tomavam porre, e o cheiro forte trazido pela aragem das cálidas manhãs de nossas infâncias. Assistimos ao fim da era romântica.

* Voyer travestido de escritor conservador

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