Antônio Augusto Souto
Há quase cinqüenta anos, Rachel de Queiroz dizia, para seduzir Carlos Drummond de Andrade, que mil mineiros não causavam o incômodo de dez cearenses. E explicava: “Mineiro não grita, não empurra, não segura o braço da gente, não impõe suas opiniões”.
Chegou a relembrar palavrinha que foi inventada nestas Minas e traduzia, com propriedade, o que o mineiro não era: “entrão”.
Conheço a expressão, mas não a tenho ouvido ou lido, faz muito tempo. Como não tenho ouvido, ultimamente, o nosso tão marcante “uai!”.
Hoje, com sinceridade, não sei se a conterrânea de José de Alencar (o escritor) ainda teria ânimo para encher a nossa bola.
Com esse negócio de globalização e de comunicação em tempo real, qualquer pessoa, seja de que latitude for, é capaz de sentir-se cidadã de qualquer parte do mundo. Consome produtos da China, da Índia ou da Jamaica, como se eles viessem da esquina.
De mais a mais, Minas não é mais aquela e o mineiro, a cada dia, vai ficando mais entrão. Dou exemplo, leitora querida: nosso guapo governador reeleito, na sua corrida insana no rumo de sonho presidencial.
Quem nasceu e vive em Bocaiuva, Varginha ou Alto Belo já está igualzinho ao capixaba de Cariacica, ao alagoano de Penedo ou ao gaúcho de Bagé.
É certo que nascemos em terra rica e ilustre. Também é certo que herdamos de nossos avoengos coisas como humildade, timidez de conveniência e recorrente matreirice. Conhecemos o valor do silêncio estratégico e sabemos, como poucos, confiar, desconfiando.
A propósito, vale lembrar que Monteiro Lobato, também faz quase cinqüenta anos, gostava de falar que o mineiro era tão finório quanto o fígaro de Beaumarchais. E Nélson Rodrigues, com o pensamento voltado para Oto Lara Resende, chegou a cunhar frase que ecoou, por muito tempo, nos palcos da Cinelândia: “Mineiro só é solidário no câncer”.
Temos consciência de que ajudamos a construir o Brasil e sua história. Sabemos muito bem que somos donos de tesouros e montanhas de ferro. Inventamos a Inconfidência, para que os brasileiros aprendessem a falar de liberdade.
Mas ninguém dá bola pra isso. Aliás, até fazemos questão de fingir que não temos altares, profetas e santos do Aleijadinho. Nem Ouro Preto, Tiradentes (a cidade), Diamantina e o Clube Atlético Mineiro.
Não é do nosso feitio ficar contando vantagem por aí.
Estão fazendo os preparativos finais para o início das obras de transposição do rio que nasce ali, ó, na Serra da Canastra, e vai dar de beber e de comer aos nordestinos. Há polêmica nacional sobre o empreendimento. No que nos toca, não estamos nem aí. Não somos contra nem a favor. Muito pelo contrário.
É verdade que não mais pitamos aquele cigarrinho de palha feito com fumo de Ubá. Mas continuamos comendo nosso franguinho caipira com quiabo e angu, nosso leitãozinho à pururuca, lombinho com tutu de feijão, torresminho e couve. Bem caladinhos, é claro.
E bebemos a nossa cachacinha de Salinas e aquela excelente Veredas que Rômulo Labate produz, com estremo carinho, uai!