Mestre atado

Jornal O Norte
Publicado em 03/12/2008 às 10:18.Atualizado em 15/11/2021 às 07:51.

Márcio Adriano Moraes


Professor de Literatura e Língua Portuguesa


 


Muitas páginas visitadas em constantes minutos, em lugares mais distintos, bibliotecas, casas, mesas, camas. Várias linhas traçadas por uma nanquim até a pena desistir e a esfera trabalhar. Ao colo, a máquina de escrever insistente em uma única nota, seca, precisa, sempre correta. Na tela virtual, a abstração do nunca existido. Ouvido atento aos dizeres de doutores que no fim, bem no fim mostraram-se dou(tra)tores. O salutar aqui não é adquirir conhecimentos, mas sim como usá-los ao seu proveito. Nem que para isso destruir seres seja preciso. Quebrar laços e atar mestres ou privá-los de serem chamados como tais. Bom é tardar o tempo do tempo.



A ingênua compreensão do mundo permite a esses mestres não titulados a olharem ao redor e perceber o carinho de seus pupilos. Não há pedaço de papel, não há medalha pública que enalteça o espírito humano como o olhar lacrimejante do outro em um sussurro de “obrigado por ensinar... obrigado por existir”. Assim, todos esses mestres, que são atados por aqueles que não os têm como mestres, sejam verdadeiramente mestres desta vida terrestre e da celeste exemplos de vida.



O processo do princípio deve ser o início de um sim genuíno. Os meados são méritos adquiridos com esforços, ainda que com uma muleta de sustentação da mente detonada. Ao término da caminha, bem no fim de uma batalha, com o rosto cravado de pedras brutas, o anúncio de que o início era um não prontamente. Lamentável esta vida da gente que nos permite viver acreditando que o nascimento foi uma dádiva que, no fim, nada mais é que a condenação e a certeza de que a luta foi, de todas, em vão.



Aos mestres que passam por tais processos restam as experiências da fragilidade humana. Descobrir nos rostos a maléfica máscara usada por seres pensantes. O cuidado ao andar, ao escrever, ao falar, o cuidado perene de amar. O campo minado que está abaixo e acima não oferece rastejar nem, muito menos, saltos largos. Manter o mento centrado no horizonte é o único meio que temos de olhar o fim e saber que jamais chegaremos a ele de olhos descerrados.



Abracemos os mestres, todos os mestres e doutores que incutem no extenso sorriso infante ou geriátrico a imaginação. A imaginação, o dom de encontrar na sequidão do terreno mundano feixes de água capazes de saciar a sede vitalícia. A imaginação, o dom de criar do abstrato razões para continuarmos vivos. Abrecemos aquela criança que, traçando uma casa, papai e mamãe no papel reciclado, ensina-nos que a vida é um lar, que a vida é um laço. Abrecemos aquele simpático velhinho cujos olhos são películas de um filme chamado vida. Abracemos todos os mestres de verdade, aqueles que nos oferecem generosas palavras que brotam do âmago. Aqueles mestres que rasgam o papel e abrem o peito para ensinar a aprender.



Desatem esses mestres e os deixem livres, dêem a eles a oportunidade de ultrapassarem doutores que ostentam títulos, mas que são incapazes de serem humanos. Chamemos mestres aqueles alados que, com toques mágicos no magistral ato de ensinar, de repente aprendem a voar. E na imaginação de seus traçados levam consigo muitos a um lugar que só um mestre atado pode chegar...

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