Mesa de bar

Jornal O Norte
Publicado em 08/04/2006 às 12:17.Atualizado em 15/11/2021 às 08:32.

João Caetano Canela



Trata-se de uma turma de marmanjos. Identificados entre si, reúnem-se naquele boteco para se confraternizar e jogar conversa fora, enquanto vão tomando umas e outras e mordiscando tira-gostos, já que nenhum deles é de ferro.



Como de hábito, lá estão. Acabaram de encerrar um debate infrutífero sobre futebol, sendo que falaram apaixonadamente do último jogo entre Cruzeiro e Atlético, e agora dão início a uma discussão acerca do neoliberalismo e seus efeitos perversos nas economias do terceiro mundo. Depois falam da política local, criticam os vereadores e, em seguida, abrem espaço para uma sessão de piadas, quando se ri riso solto. 



Até que, a propósito de tudo e de nada, principiam a falar sobre a bizarra criação de rãs, criação que a maioria dos presentes considera um mau negócio, pois acredita que criar avestruzes se apresenta como uma alternativa econômica mais viável, ficando claro, entretanto, que bom mesmo é criar boi, ou então criar cabrito, com o que todos concordam, unânimes, assim como unânimes reclamam do prefeito, a quem criticam pelo descaso com que vem tratando a epidemia de dengue que assola a cidade, o que é inadmissível, até porque os jornais estão noticiando uma vítima fatal da dengue hemorrágica, fato que assusta a todos, é claro, mas que não impede que tratem de outro assunto, qual seja do orgasmo feminino, que por sinal alguns acham que é mais longo e intenso do que o masculino, enquanto outros acham que não, o que afinal acaba deixando de vir ao caso porque alguém acha que o uso indiscriminado do silicone, assim como os próprios exercícios exagerados de musculação, rouba a feminilidade da mulher, haja vista a Joana


Prado, cujo corpo, depois de turbinado, ficou másculo e horroroso, fato com que a maioria concorda, sem deixar de ressaltar, todavia, que o silicone, quando a serviço da boa medicina de estética, tem o mérito de corrigir peitos caídos e bundas chochas, a bem da auto-estima feminina.



E é aí que alguém fala de um episódio triste, comentando a doença de um empresário local, que estaria acometido de um devastador câncer de pulmão, sem que isso, no entanto, cause maior consternação entre os presentes, ou faça com que os fumantes apaguem seus cigarros, mesmo porque o assunto salta rapidamente para outro tema, precisamente para o envolvimento de um tradicional advogado da Terra com pedofilia na Internet, sendo que a Polícia Federal, segundo se especula, estaria de olho nesse advogado, como estaria também de olho num conhecido cafetão local, a respeito do qual todos ali dizem horrores, e mais não dizem porque, recorrentes quanto ao tema da sexualidade humana, põem-se a falar sobre o viagra, oportunidade em que alguém, num tom zombeteiro e com senso de humor, diz que se trata de uma droga que veio não só para levantar o membro viril masculino, mas também para levantar o moral dos broxas humilhados, que antes de seu advento viviam a urinar no sapato etc.



No mais, rolam, ali, inúmeros assuntos, com espaço, sobretudo, para comentários maldosos acerca da vida alheia, quando, dentre outras abordagens, duvidam da fidelidade conjugal de certas damas, da masculinidade de certos senhores, da probidade de certos homens públicos, dúvidas estas que em outro local não se permitiriam externar, mas que externam ali, naquele clima de intimidade e naquela mesa de bar, onde alguém acha que o novo Audi é um tremendo carro, enquanto outro acha que os melhores automóveis são os de fabricação japonesa, sendo que há, ainda, quem não ache nada sobre carros, mas acha que Bin Laden está vivo, bem como acha que a mulher do vizinho está dando para o próprio cunhado, ao passo que outro, por sua vez, acha que jogar pôquer aberto é muito mais emocionante, como também acha outras coisas mais, quais sejam: que o mega-investidor Kia é mafioso, que o Romário já devia ter parado de jogar futebol, que o rei Roberto Carlos já devia ter parado de cantar, que a apresentadora de tv Hebe Camargo é insuportável, que Luma de Oliveira ainda bota no chinelo muita gatinha, que o PT está ferrado com o mensalão, que a transposição das águas do rio São Francisco é demagogia do Lula...



E, assim, vão papeando, distraidamente, numa oralidade dinâmica, vertiginosa e quase irresponsável, até que, lá pelas tantas, como que cansados uns dos outros, bate uma falta de assunto.Então, alguém, tomado de um torpor etílico, boceja. E, olhando o relógio e a pretexto do adiantado da hora, se retira.No que, a varejo, vai sendo imitado pelos demais.



E afinal todos se vão, não leves, porém levianos.

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