Dário Teixeira Cotrim *
O maior patrimônio das cidades centenárias do estado de Minas Gerais é o seu conjunto arquitetônico dos séculos passados. Além de seus casarões suntuosos e dos sobrados avarandados. Além dos becos estreitos com as suas ladeiras íngremes e sinuosas. Além das praças ajardinadas com as suas velhas palmeiras imperiais e das igrejas do período barroco. Ainda assim, a história insiste em escapar por entre os dedos de nossas mãos, fazendo-se correr ralo abaixo, para depois sucumbir por entre os esgotos podres da nossa santa negligência. Minas Gerais é a história viva do Brasil medieval! Montes Claros, por sua vez, é a história adormecida de um passado não muito distante.
Montes Claros é a única cidade histórica de Minas Gerais que tem os seus casarões destruídos ou abandonados ao descaso do seu povo e do poder público que lhe governa. Do centro histórico de Montes Claros praticamente não existe mais nada. Restam-lhe apenas dezessete prédios tombados pelo município e quase todos eles em péssimo estado de conservação. A inoperância dos órgãos públicos e o desmazelo da população, em fiscalizar o patrimônio histórico da cidade, são aspectos vergonhosos para a sociedade em que vivemos. A cada dia desaparece um registro histórico.
Montes Claros ainda não guarda a memória de seus ilustres cidadãos do mundo. Deveriam existir, em suas praças, pelos menos os memoriais de: Darcy Ribeiro, João Vale Maurício, Simeão Ribeiro dos Santos e Cyro dos Anjos e de tantos outros. Recentemente a casa onde nasceram os irmãos Darcy e Mário Ribeiro foi derrubada sumariamente. O Solar dos Maurício está quase desmoronando. Ele necessita urgentemente de escoras na sua parte lateral, conforme relatório do Corpo de Bombeiros de Montes Claros. Outra vítima do descaso é o Solar dos Oliveira que também precisa de reparos no telhado. Hoje, esses casarões estão em ruínas, já sem forças para lutar e vencer o modernismo em seus arredores.
O trabalho persistente da confreira Raquel Mendonça (sócia fundadora do IHGMC) e a sensibilidade do secretário municipal de cultura, João Rodrigues, unidos, nos permitirão sonhar com a preservação dos prédios históricos da cidade. Venho acompanhando pelos jornais o esforço descomunal de Raquel em prol do resgate dos velhos casarões ainda existentes. A cidade da “arte e da cultura” não pode permanecer entregue aos desleixos do poder público e nem mesmo aos interesses espúrios de políticos inoperantes e insensíveis aos nossos costumes e as nossas tradições históricas e sociais.
A reforma da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José era de fato necessária. Entretanto, a descaracterização realizada no seu interior foi um monstruoso crime cometido contra as nossas já minguadas tradições religiosas. Infelizmente o povo temente, aceita passivamente esses abusos cometidos contra o patrimônio público sem nenhuma manifestação de repúdio ou protesto.
O que não conseguiu resistir ao tempo foi o cruzeiro que antes se erguia em frente às igrejas. Exceto a Capela de Santa Cruz do ‘Morrinhos’.
Vários casarões históricos de Montes Claros foram destruídos (o Mercado Municipal, por exemplo); outros mal reformados; outros, ainda, abandonados e outros mais ignorados pelo poder público. Também é de se ver a Catedral de Nossa Senhora Aparecida. Mas esta, no entanto, teve a sua reforma realizada por um imenso movimento intelectual e artístico e, em vista disso, não descaracterizaram a sua arquitetura tradicional.
Acreditamos em uma nova era. Há, na atual administração pública do município, uma esperança muito presente nos homens que comandam os destinos da cultura de nossa cidade. Oxalá que o Casarão dos Maurício e o Solar dos Oliveira sejam recuperados a tempo. Oxalá!
* Membro do Instituto histórico e geográfico de Minas Gerais e de Montes Claros