Marujos, caboclinhos e catopês: Celebrando o congado em Montes Claros

Jornal O Norte
Publicado em 20/08/2010 às 11:37.Atualizado em 15/11/2021 às 06:36.

Montes Claros possui grande diversidade de manifestações culturais que têm a música como um dos principais meios de expressão. Nesta cidade, encontramos as Folias de Reis, que têm atualmente trinta grupos registrados, o que representa um número significativo para um município que possui cerca de 320.000 habitantes. Outra importante manifestação musical dessa cidade são os grupos de Seresta. Atualmente, a cidade possui cerca de dez grupos, sendo que alguns deles chegaram a alcançar projeção nacional — como a Seresta João Chaves, com mais de 30 anos de existência — ganhando concursos e participando de diversos festivais até a década de 1980. Montes Claros possui ainda artistas locais que obtiveram fama pela sua música tipicamente regional, podendo ser mencionados, entre outros, os violeiros Zé Côco do Riachão – que chegou a ser apelidado de Beethovem do sertão – e Tião Carreiro, e os compositores Godofredo Guedes e João Chaves – que compuseram principalmente modinhas, toadas, marchas e choros. Dentre essas diversas e significativas manifestações, destacam-se nesta cidade os grupos de Congado que, entre os meses de maio e agosto, desfilam pelas ruas visitando casas e igrejas, devotando sua fé e suas crenças no poder divino. Em Montes Claros, o Congado é constituído por três guardas: Catopês, Marujos e Caboclinhos. Guardas que, atualmente, se subdividem em três ternos de Catopês, dois ternos de Marujos e um terno de Caboclos.



Os Marujos usam vestimentas com as cores azul e vermelho – o azul representando os cristãos e o vermelho representando os mouros. O capitão do terno vem à frente, com sua espada, conduzindo o cortejo; os Marujos trazem expressa, em sua arte, a fusão de várias tradições portuguesas, encenando grandes feitos náuticos e a vitória do catolicismo sobre os muçulmanos. Na sua música, a alegria e a tristeza sempre estão lado a lado, dividindo os versos, acompanhados por pandeiros, comuns às guardas de Congado de Montes Claros, e por cavaquinhos, violões e violas de 12 cordas.



Os Caboclinhos retratam a figura do índio brasileiro, associado à Confraria de Nossa Senhora do Rosário. Seus trajes simbolizam as vestimentas indígenas, com enfeites de penas acopladas às roupas vermelhas. Os integrantes conduzem pequenos arcos e flechas que completam a caracterização. As flechas, quando arremessadas, não se livram, devido a um ressalto que as mantêm presas no arco e, por entrechoque, funcionam como marcador rítmico ajudando a compor a sonoridade do grupo. Seus instrumentos são pandeiros de pele de couro – construídos artesanalmente –, violas e uma rabeca, tocada pelo mestre Joaquim Poló.



Os Catopês apresentam variações em suas vestimentas, principalmente nas cores, que costumam estar relacionadas àquelas predominantes na bandeira do santo de devoção do terno. Em Montes Claros, os dois ternos de Nossa Senhora do Rosário utilizam camisas e calças brancas, e o terno de São Benedito utiliza, predominantemente, a cor rosa. Os integrantes dos três ternos usam na cabeça o que eles chamam de “capacete”, adereço com fitas coloridas e/ou penas – variando de acordo com o terno. Os Catopês usam somente instrumentos de percussão: caixa, chama, tamborim, pandeiro e chocalho.



Das manifestações encontradas em Montes Claros, o Congado é uma das que têm apresentado, atualmente, maior expressividade. Estes grupos, mesmo em menor número que as folias, por exemplo, têm demonstrado grande respaldo junto à comunidade em geral, à imprensa e às instituições, governamentais ou não, da região.



Nos grupos de Catopês, Marujos e Caboclinhos, que constituem o Congado de Montes Claros, os processos de ensino e aprendizagem variam de acordo com a guarda e o terno. Assim, os Caboclos têm estratégias de transmissão diferenciadas dos Marujos que, por sua vez, têm estratégias diferentes das dos Catopês. No entanto, mesmo apresentando diferenças, os processos de transmissão musical no Congado se assemelham em vários aspectos, sendo um dos mais evidentes a aprendizagem a partir da experimentação.



Os momentos de experimentação acontecem de forma mais efetiva antes das saídas do terno. Enquanto os integrantes do grupo vão chegando, os “meninos” , que na maioria das vezes chegam primeiro, experimentam e tocam os instrumentos do Terno, principalmente aqueles considerados mais importantes, normalmente tocados pelos adultos que estão há mais tempo no grupo. Assim, os meninos aproveitam para tocar as caixas e os chamas, praticando para quando tiverem uma oportunidade estarem preparados para tocá-los. Durante esse processo de experimentação, que ocorre geralmente em grupos de quatro ou cinco integrantes, eles se corrigem e competem entre si, buscando mostrar quem sabe mais. Por várias vezes, enquanto aguardava a saída do terno, meu instrumento – um chama – era solicitado pelos “meninos”, para que pudessem tocá-lo. Nessas experiências, eles atuam como seus próprios professores, e somente quando não chegam a um acordo sobre a execução de um determinado ritmo, é que solicitam a alguém do grupo, mais experiente, para dizer quem está “certo” e/ou demonstrar como se toca.



CONCLUSÃO



Ao analisar as relações entre cultura e música – com enfoque mais especifico nos processos de comunicação constituídos no ritual do Congado (Catopês, Marujos e Caboclinhos) de Montes Claros-MG – podemos concluir que a performance musical, na contemporaneidade, tem atuado como um veículo de comunicação que traz em si um aglomerado de significados. Nesse sentido, a performance musical do Congado expressa todo o caráter religioso, as lutas, as imposições culturais, as tristezas e alegrias que um povo viveu no passado, mas que são reatualizados periodicamente, por pessoas que encontram, na expressão musical, uma forma de serem ouvidas, assistidas e valorizadas pela sociedade em geral.



A música do Congado, resistindo ao tempo e aos processos de comunicação da cultura de massa, engendra um momento único, assumindo uma função específica, que não pode ser encontrada em outras músicas desprovidas de significados e de códigos particulares da cultura congadeira.



Assim, não se pode analisar a performance musical do Congado somente do ponto de vista estético, da estrutura musical. É necessário considerá-la como algo que está além da “forma” em si mesma, como um veículo que, imbuído de muitas funções, tem essencialmente a função de comunicar. Comunicar o que é sentido, o que é respeitado, o que é devotado e o que é valorizado pelos seus comunicadores, os congadeiros.



Esse processo de comunicações distintas encontra no ritual do Congado vida e forma, que projeta em toda sociedade de Montes Claros os costumes, as crenças, os mitos e as ações de homens que, com dignidade, celebram o que acreditam e gostam, demonstrando, assim, que ocupam um espaço significativo no seu meio social, e que, durante o processo ritual do Congado, seus cantos e instrumentos lhes dão voz ativa frente à sociedade como um todo.

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