Ronaldo Duran
Escritor, autor do romance Ando de ônibus, logo existo
Minha sexta-feira prometia. A semana já estava meio tumultuada. E, sinceramente, eu tinha planejado faltar hoje. Tem fase que o emprego é um nevoeiro denso de pessimismo. Como também há os momentos em que a gente se deixa invadir por uma sensação gostosa de prazer, fruto da idéia do dever cumprido. Decididamente esta sexta-feira está longe de sensação gostosa.
Meu pai diz que sexta-feira é o dia chave para se levar o sabão do superior hierárquico. Ele que caleja por mais de vinte anos na fábrica é versado no assunto, quase adaptado às mudanças de humor repentino. E raramente a bronca vem por outro motivo que não pelo desempenho aquém segundo critério da administração. Ah, na sexta-feira, ainda segundo meu paizão, é o dia de rolar cabeças. A sua permanece no lugar, mas não sem ter sentido a lâmina bem próxima. E às vezes preferira tê-la cortada do que o terror que vem após, com a chantagem velada ou explícita do superior dizendo “olha, eu te poupei. Vê se não vacila”. Mas como ele mesmo diz, um pai de família não pode se dar ao luxo de perder o emprego, prefere ver-se humilhado que ouvir o choro de fome dos filhos.
Sorte a minha que eu sou funcionária pública. Fonoaudióloga, 23 anos, recém-formada, adentrei no primeiro concurso para um posto de saúde. Para mim tudo é novo, menos esta sensação de perseguição. Lá na escola, no tempo da faculdade, e desde que me conheço por gente sinto esse incômodo.
Talvez por ter que passar quase 9 horas fechada numa repartição, a coisa se agrave.
Meu pai é meu confidente, mais do que minha mãe. Ela não trabalha fora. Certa vez perguntei a ele: por que raios eu tinha a idéia de ter mais chefes do que o oficialmente estabelecido? Em sua sapiência, responde que na empresa pública ou privada há uma guerra velada e quem grita menos é o mais é explorado. Todo ego quer mandar. O diretor, o assistente do diretor e o coordenador são cargos estabelecidos pela instituição, mas a penca de puxa-sacos e pessoas que querem mandar também excede a figura desses três, e quando vemos, há dez diretores, dez coordenadores, dez assistentes de direção, e cada um pensando que vão salvar o mundo ou pelo menos eliminar os que eles chamam de incompetentes.
A fala do papai não reduz minha mania de perseguição. E quando estou no dia-a-dia do trabalho, quando vejo as pessoas brigando por ninharia, comendo o couro do cara que fica quieto no seu canto e não quer participar da carnificina, eu me sinto mal. Talvez com o tempo eu aprenda, amadureça e siga o jogo.
E nesta sexta-feira a reunião parecia ser feita para mim.
Longe de mim camuflar meus erros. Devo melhorar, me dedicar. Nada melhor que um chefe honesto e cioso para nos chamar a atenção e nos orientar. Pois acredito que o chefe justo é como um pai, que nos chama a atenção mais para nosso crescimento que satisfazer seus desejos de poder mesquinho.