Clídio de Moura Lima *
C’est ici ma ville. C’est ici que nous habitons depuis quelques années. Je t’aime, ma ville. En portugais: Esta é a minha cidade. É aqui que nós moramos há muitos anos.
Eu te amo, minha cidade. E a propósito, propositadamente, eu te pergunto: Como vais, minha Terra, meu amado Torrão? Eu, bem o disseste, torrão! É, meu filho, meu habitante, estou realmente um torrão; e esburacada, sacaneada, lameada, suja... Estou uma pocilga com porco de pobre. Gritam sobre mim com uns carrinhos com alto-falantes maltrapilhos, cheios de bugigangas que dizem ser som de CD/DVD e o diabo a quatro; e bicicletas também, carregando uma bateria e um alto-falante, melhor, alto-gritante de propaganda inútil. Fizeram de mim um bazar imundo: em todas as esquinas, carrinhos de mão vendendo frutas, ervas, verduras, vendendo tudo o que tu possas imaginar, e jogam cascas pelas calçadas, sujeira, meu filho, é o que não falta. Dizem que é por falta de emprego, que os fins justificam os meios; que a informalidade é único meio de sobrevivência.
A isto não sou contra; mas não haveria um lugarzinho para tanto? Ao menos que não me sujassem tanto, e permitissem que meus visitantes e hóspedes pudessem transitar livremente pelas calçadas, limpas e asseadas?
Estou violentada, humilhada. Olha, estou estuprada, metem o pau em mim. Logo em mim, metem o pau. Eu, que tanto amor dou a ti, meu habitante, meu filho; recebo a ingratidão, o abandono. Estou tão suja e... chega de lamúrias. Prefiro meu cidadão, lembrar de priscas eras, daqueles tempos em que me deram o título de Princesa do Norte, da carinhosa e garbosa alcunha de Coração Robusto do Sertão, estes sim, são apelidos que me orgulham. Que país é este, eu não sei. Estou esperançosa na confiança de que meus amados filhos sintam meu tormento e passem a me tratar melhor. Pois é, Júnior. Seu irmão mais velho, o “Primogênito” prometeu que iria cuidar de mim, gerenciar minha história, gerir meus negócios; até então o “Primogênito” confunde gerir com digerir. Mas tenho confiança nele. Tudo vai mudar, voltarei a ter saúde, força política e tudo o mais: emprego, riqueza, beleza que é fundamental para uma jovem aniversariando e comemorando em poucos dias meu 150º aniversário. Muito obrigada, meu amado filho, por ter-se lembrado de mim, mandando-me esta declaração de amor e dando-me fé e esperança no porvir. Nunca me abandones. Obrigada por tudo.
* Advogado, professor universitário, autor do livro Leia o Trem