Mãos ocupadas, ouvidos idem

Jornal O Norte
Publicado em 07/11/2008 às 10:07.Atualizado em 15/11/2021 às 07:49.

Mara Narciso


Médica especializada em Endocrinologia e acadêmica de Jornalismo da Soebras



Cada época com os seus costumes. Aqueles que usavam chapéus não sabiam sair às ruas sem eles. Sentiam-se inapropriadamente vestidos para ficar em público, praticamente nus. As mulheres que usavam um pano na cabeça, tempos depois, quando a moda já era outra, não conseguiam ficar com a cabeça nua. Anos atrás, a vestimenta era o vestido, e as mulheres quase não usavam calças compridas. Depois se inverteu e hoje muitas mulheres sentem-se inseguras quando usam saias.



O governo francês tirou os solidéus judeus dos meninos e o véu muçulmano das meninas nas escolas públicas. Para alguns uma reprimenda violenta e inominável; para outros um gesto que evita a discriminação na idade escolar.



Houve um tempo em que os jovens não saiam de casa sem o seu maço de cigarros e a sua caixa de fósforos ou isqueiro. Uma imagem puxada do passado: uma foto de museu; mas foi exatamente assim. Esse hábito parece absurdo? Vemos que em cada tempo as pessoas não conseguem ficar sem algum objeto de sua propriedade nas mãos —ou cabeça—, para dar-lhes segurança.



Sérgio Mota, amigo do presidente Fernando Henrique Cardoso, disse que em algum dia do futuro todas as pessoas teriam telefones celulares, pois custariam menos do que um sorvete. Essa previsão parecia impossível há dez anos, ocasião em que essa tecnologia era cara.



Todas as pessoas têm telefones celulares e podem esquecer tudo, mas não os seus telefones. Podem sair sem dinheiro, pois há os cartões, mas é grave atrevimento deixar o celular para trás. Apertado na mão suada, como coisa valiosa, o celular está com o mais velho e o mais moço, com o mais rico e o mais pobre.



Ninguém existe nesse mundo sem o “telemóvel” (dos portugueses), um objeto mais portável do que a carteira de identidade. Os mais resistentes também foram vencidos pela ordem: vocês precisam ficar permanentemente ao alcance de uma chamada telefônica onde quer que estejam.



O relacionamento da pessoa com o seu celular é às vezes patológico. Olha o visor de instante a instante, checando se há alguma chamada ou mensagem nova. O mais importante para essa pessoa é sempre alguém que esteja distante, pois, se fala pessoalmente com alguém, e o telefone toca, manifesta um leve sobressalto, atende imediatamente ao telefone, vira as costas e deixa  a outra pessoa falando sozinha. Boas maneiras nunca saíram da moda. Pedir licença e desculpas não é ruim.



Na rua, pessoas sozinhas falando alto ao celular, com o braço dobrado próximo ao ombro, e a mão perto do ouvido, são alvos fáceis para os malfeitores. Junto com esse hábito criam-se novos crimes, como roubo do aparelho, extorsão por celular, falso seqüestro, roubo de créditos e mais coisas que ainda irão inventar.



Mas o que tanto falam essas pessoas? O que é tão urgente que não pode esperar? O certo é que ninguém quer ficar sem telefonar. Então pergunto: o que estariam fazendo todas elas caso não estivessem telefonando?



Chega ao cúmulo de—mesmo sendo solicitado para desligar o celular durante a cerca de meia hora da consulta médica—, a pessoa atender a mais de um telefonema, ignorando o que o médico explica. Afinal quem está na linha é mais urgente do que as informações que foi buscar na consulta. Esse hábito parece absurdo?

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