*Marcelo Valmor Paculdino Ferreira
Elas começaram! Combinadas com os ventos de agosto que são amigos inseparáveis dos meninos do lado de cá das Minas Gerais, as Festas de Agosto guardam tradição e uma irremediável vontade de falar sobre elas.
Não sou o primeiro, e certamente não serei o último. Mas, incomodado com tanta alegria e história, não deixarei de expressar aquilo que sinto, vejo, cheiro, olho e toco durante todo esse mês de agosto na nossa terra.
Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo se constitui a Santíssima Trindade, expressa a partir da nossa própria realidade. A mãe, o Santo dos pretos e o Divino a amparar a todos. Soma-se a isso o celebrar da própria cidade com ela mesma. Afinal, a Festa tem mais de duzentos anos!
Quando saio às ruas durante os festejos. Quando vejo os marujos, caboclinhos e catopês, me vem à mente, de forma inevitável, a presença de nossos antepassados. Todos ali presentes. Todos aproveitando a Festa para matar a saudade dos seus. Todos se misturando a alegria da cidade.
As ruas e avenidas enfeitadas com fitas multicoloridas expressam uma idéia de paz e alegria, como se dizéssemos para aqueles que um dia habitaram no meio de nós que a casa esta aberta, e que por isso mesmo a vossa presença é bem vinda; que por isso mesmo a festa é feita para eles também. Porque sem aqueles que imaginaram o sonho da unidade, esse encontro, hoje, não seria possível.
E as fitas estão a simbolizar isso. Afinal, elas se compõem de duas pontas. Na primeira encontra-se o nosso passado. Estão aqueles que primeiro sentiram, naturalmente e religiosamente, a necessidade de se ajuntarem, enquanto que na outra se encontra a gente. A gente de cá. A gente do lado de cá. Vivos sobre a terra herdada. Vivos sobre a terra edificada em contradições e poeira. Erguida sobre amor e dor.
É desse encontro, intermediado pelos nossos mais antigos representantes das Festas de Agosto – simbolizados pelo eterno Zanza -, que nos fazemos presentes no mundo. Que nos fazemos nem mineiros nem baianos. Que não fazemos de uma coisa patrimônio e nem de outra descanso. Que nos fazemos Catrumanos!
Sair pelas ruas do centro da cidade por esses dias, portanto, é mais do que enxergar os vivos. É, sobretudo, ver para além do que os olhos nos mostram. Para além do que nossos sentidos nos dizem. Para além do que nossa boca fala. Para além do que nossos ouvidos escutam. É ver e acreditar. É ouvir e escutar. É sorrir! Porque entre nós encontra-se um passado que não morreu. Um passado composto de pessoas e dores, de pessoas e alegrias, de pessoas e tradições.
Olhar para as fitas, para toda essa cultura é andar pelas ruas e praças e perceber que entre milhares de pessoas que transitam, existem outros milhares, deixados pra traz pela curva do tempo, e que retornam para comemorar, junto conosco, aquilo que deram início e que nunca irá morrer, mesmo depois da morte ter chegado para todos nós.
Pois que aí retornaremos sob a forma de tradição, e ouviremos os tambores e os apitos, e veremos as faixas suspensas e os murmurinhos das praças, e novos Zanzas a empunhar tambores e puxando a Festa, num renovar de gente e beleza que só Agosto pode proporcionar.
E quando o tempo tiver fechado seu ciclo, cada um, a seu tempo, terá seu retorno para, de mãos dadas com os seus, subir e descer ladeiras de Montes Claros, olhar para o colorido da cidade, pisar suas pedras, visitar os casarões e esperar o breve retorno do novo ano que anunciará uma volta para a mesma Festa que, no entanto, nunca é a mesma, pois que feita sempre de mais encontro de partidas e chegadas.
Viva Nossa Senhora do Rosário, Viva São Benedito, Viva o Divino Espírito Santo!
(*) Professor e jornalista