Adilson Cardoso
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Ele sabia que a vida não facilitava as investidas, mesmo assim lutou com bravura combatendo o bom combate. Ouviu a hora do Angelus com os sinos repiclantes da Igreja de São Sebastião, sentindo um amargo na boca que lhe escorria um queimor de infelicidade inexplicável. Toda a beleza das cores foi substituída pelo cinza de uma vontade injustificada de voar, além de todos os infinitos, carregado de dores invisíveis. Foi imitando os psicóticos que rodopiavam nos antigos hospícios, dando voltas para chegar a lugar nenhum, sofrendo as ações da droga depressiva chamada de angústia.
Nem as revistas em quadrinhos tinham mais aquela paz que outrora lhe deliciava o âmago. Viu Mickey ser fuzilado por João Bafo de Onça e Minie ser seqüestrada e estuprada pelos Irmãos Metralha. Os Escoteiros Mirins foram presos vendendo drogas na escola. Margarida acaba de ser assassinada pelo Pato Donald, no boletim de ocorrência consta crime passional. Tio Patinhas é preso por lavagem de dinheiro e culpa a faxineira da caixa forte.
O Super Pateta foi envenenado com seus amendoins do poder. Tex é abatido junto do amigo Carson e as canções do Velho Oeste assobiam o desespero, a flauta doce lembra funeral e o delicado violão MPB soa dolorido de dó a si. O Pato Fu desencanta com a “Canção pra viver mais” , agora feito Van Gogh nos Campos de Trigo.
Ele parece despedir-se desta vivência doentia, deste plano torturante que mescla sangue e lágrimas na obrigação de resistir. Cai uma chuva fina descendo de um céu tristonho que grita, ecoando nas imensidões infernais de uma tristeza imensurável. Os pés sobre as poças d’água que se formam no aumento das gotas pisam buscando esmagar os passos, nomeando passados ressentidos, pessoas surgindo e diluindo sob a fúria que não se controla.
Em um instante a história que se ouviu sobre o grande russo Maiakovski se repete ali naquele chão que cruza a João Luiz de Almeida. Os funcionários da Funerária Avelar estavam sentados assistindo ao Programa do Jô e davam gargalhadas quando alguém informou a desgraça ocorrida, para alegria de quem vive da morte. Mesmo assim a chuva continuou aumentando o ritmo e a ventania que não se via até então retorceu as folhagens da barriguda grávida da Primavera.
Nos olhos semi-abertos, a tristeza não se preocupou em ocultar sua culpa, lágrimas petrificadas dependuradas nos cantos dos olhos denunciavam que o choro o perseguia por diversas horas. Uma caixa mal-cheirosa foi a rede de descanso de um cansado lutador que sonhou com um mundo diferente, nascido sob o signo da pobreza e dos sóis escaldantes viveu suas mais loucas prosas e seus insólitos delírios. Não acreditava nos ferrões do Satanás nem tampouco nos escritos que colocaram Jesus Cristo nos céus de corpo e alma.
Mas o alívio no campo da incerteza de outra existência foi o guia, os hipócritas pretendem chorar com suas lástimas para satisfazer as consciências carregadas. Outros vão idolatrá-lo e sugar seus últimos conselhos em forma de ensinamento. A necrofilia bruta e desleal agora vem e se faz forte, lembrando que ali ele foi importante, pois amou as vezes que todos odiavam, e quis quando todos desprezavam. E assim acabou a história.