Adilson Cardoso
A religião é sempre assunto polêmico quando se tenta discutir pensamentos opostos. Ao longo da história, o tema foi se transformando de acordo com a necessidade de quem precisava reafirmar o poder. Foram cruzadas com objetivos duvidosos, papas fazendo acordos com a elite, dando apoio ao fascismo, Lutero acoitando o massacre aos camponeses, e a eterna guerra entre palestinos e judeus. Milhares de mortos em nome do fanatismo que impõem regras e conceitos. O objetivo de toda essa balbúrdia é o caminho dos céus, descer para as caldeiras incendiárias do senhor Lúcifer, ninguém quer e, quando alguns filmes mostram aquelas caras horrendas com chifres de bode, aí é que o sujeito se apega ao terço e vai pedir a salvação da alma.
Fiz este rodeio para chegar ao fato principal: a discussão que presenciei entre um padre, um pastor e um bêbado, manhã de domingo na Praça da Matriz. Os dois primeiros bem vestidos e penteados, de pé, um para o outro; o terceiro, sujo, descabelado, de roupas rasgadas e deitado no chão logo abaixo. Eu lia o Nome da Rosa sentado em um banco à frente. O pastor chamou o bêbado e perguntou se ele queria mudar de vida, entregou-lhe um folheto e disse que Jesus queria salvá-lo, e a salvação o esperava naquele endereço.
O padre tomou parte na conversa e disse ao bêbado que ele precisava buscar Jesus, mas poderia ser na igreja católica. O pastor não achou interessante a intervenção do padre e corou-se, pegou a bíblia e leu um versículo do Apocalipse de João. O bêbado ficou tão atordoado que enfiou a mão embaixo dos papéis que dormiam, sacou sua garrafa de pinga e deu um gole.
O padre não se conteve e, em tom elevado, disse ao bêbado que essa prática o levaria ao fogo do inferno. Que na igreja católica estava a cura para a vida de vícios, lá seria seu encontro com Deus. Nesse instante, a hierarquia celestial muda, Jesus cede lugar ao Pai para maior ênfase. O pastor, indignado com aquilo, ataca dizendo que se a igreja católica curasse vícios, não existia tanto católico cachaceiro.
O bêbado olha de rabo de olho para o pastor, enquanto o padre lembra, em voz de briga, os missionários que foram presos escondendo dinheiro dos fiéis para levar para o exterior. O pastor olha para a cruz da Matriz e pergunta se o padre não queria vender uma lasquinha do instrumento que matou Cristo, referindo-se à simonia.
O padre gaguejou e deu um suspiro. Neste momento fiquei de prontidão para apartar uma possível luta corporal, porém, o padre rezou baixinho, voltou às forças e, sarcasticamente, perguntou ao pastor se as multas pela gritaria que praticavam na hora das orações eram pagas pelos fiéis ou pelo templo? O pastor também esboçou uma atitude mais forte, porém, se conteve com lucidez e respondeu que estava orando para tirar pelo menos metade dos adoradores de santo do Inferno, mas achava difícil, pois o diabo habitava esses corpos ainda em vida.
O padre retrucou dizendo que no inferno estavam os ofensores da mãe de Jesus. O bêbado levantou-se com cara de pouca amizade, jogou os farrapos de cobertor que o cobriam no chão e disse:
- Acho mió ocês dicidi quem vai pu Zinferno, uai? E suverte de per de mim, capeta!
Fechei meu livro e saí em direção ao Centro Cultural, explodindo de rir da lição do bêbado. Mudei a idéia do início: vai sobrar é muita vaga no céu.