Adilson Cardoso
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O banco nesse dia fica mais cheio que o normal. De repente senti uma forte dor no peito, com uma imediata irradiação no braço esquerdo afora. Achei que fosse infarto, meus olhos avistaram espirais nas paredes e até em pessoas. Veio uma náusea repentina, que me obrigou a vomitar um líquido esverdeado de amargor indescritível. Uma tonteira me desorientou e sobre o asco dos rejeitos estomacais aterrissei, lambuzando-me até os olhos, enquanto as pernas eram acometidas de sucessivas cãibras, que me contorceram sobre a secreção malcheirosa.
Antes de recuperar-me dos espasmos musculares, uma crise de espirros se apossou de mim e cada vez que aumentavam os episódios, minha cabeça dolorida batia no chão com violência. Nesse momento, as narinas que já expulsaram todo o catarro existente nas adjacências, começaram a emitir guinchadas de sangue, um vermelhão de cromo escuro que me pareceu produto da Gato Preto.
Se não bastasse tudo isto, uma dor de dentes chegou para completar a equipe... Com a mão suja de tudo que me era direito, apertei-a contra o infeliz rebelde sem causa que não justificava a mialgia. De repente faltou ar. Busquei os exercícios de primeiros socorros, mas nada valeu. Como último pensamento nesta terra bonitinha mas ordinária, me veio o título do livro de Sheldon: Se houver amanhã.
Dizem que fui levado pelo Samu; lá fui lambuzado, tomei adrenalina, fiquei no respirador. Só não quis saber se houve respiração boca a boca. Fizeram eletrocardiograma, eletroencefalograma, hemograma, tempo de sangria, tempo de coagulação, triglicérides, imunofluorescência para Tripanosoma Cruzi, VDRL, HIV. Colheram minhas fezes, urina; fizeram biópsia, endoscopia, raio X e tomografia.
Levaram-me para a UTI e me submeteram ao proibido eletrochoque, mas a equipe médica só balançava a cabeça negativamente. Juntas de doutores renomados da cidade e de todo o estado, com residentes, acadêmicos, enfermeiros, técnicos e até uma moça da limpeza deram palpite sobre o meu estado. Um dos médicos aceitou a sugestão e mandou buscar Pai Mundico, que ficou famoso por ter previsto que Tammy, a filha de Gretchen, viraria gay e, mais tarde, que Mônica Veloso aproveitaria o escândalo Calheiros para ganhar uns dólares pousando nua.
O moço levou atabaques e charutos, com ervas para banho de descarrego. Incorporou uma entidade que confundiu os médicos com os filhos de santo, e fez todo mundo entrar na roda com direito ao enfermeiro-chefe marcar o ritmo no coro. Foram quatro horas de ziriguidum, ao final a entidade subiu sem fala e a equipe médica ficou com tanto suor que as roupas grudaram no corpo.
Quando não tinham mais o que fazer, me devolveram para o Samu com um atestado e as assinaturas que mais pareciam um abaixo assinado contendo duzentas ao todo, com CRMs confirmando a veracidade. Dizia o cabeçalho: "O paciente foi assistido pela maior equipe médica já reunida para esse tipo de intervenção, todos os exames que tínhamos em mão foram feitos com pedidos de extrema urgência, os resultados chegaram em menos de uma hora, usada tecnologia de última geração, com métodos que a própria literatura médica desconhece. Recomenda-se que o paciente seja acordado e estimulado a pegar o caminho de casa e não tomar mais nosso tempo. Hipocondríaco f.d.p.! Abaixo assinamos.”
Assim que recobrei a consciência estava sentado na praça com algumas pessoas de olhares depressivos em minha volta, todos com movimentos sincronizados em todas as direções, mostrando diversas contas nas mãos, algumas com carimbos de urgência, outras com ameaças do Serasa. Parecem ter lido o atestado e se identificado com a minha peleja. Um deles falou-me com voz embargada de pré-choro:
- Meu amigo, você foi vítima de erro médico, não precisava ter se submetido a exame nenhum, nem ter sido atestado como hipocondríaco, pois essa crise é mensal. Qualquer que seja a ocorrência nessa data, a primeira informação que o atendente devia solicitar era seu contracheque, mas levante a cabeça para lembrarmos com bastante convicção um trechinho da oração que o senhor nos ensinou, com bastante fé:
- Perdoai as nossas dívidas, amém!