Adilson Cardoso
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Cláudio é uma cidade do Oeste de Minas com mais ou menos 26 mil habitantes. Consta ser o maior pólo fundiário da América Latina, de gente simples e hospitaleira, que leva a vida no melhor estilo literalmente gozando, mas dos outros, pois lá é a cidade dos apelidos. Quase ninguém escapa da alcunha, pobre ou rico, preto ou branco, autoridade ou meliante, cristão ou incrédulo.
Rose passou muito tempo sofrendo quando o amor da sua vida foi derrotado pelo caboclo d’água, nas profundezas do São Francisco. Como manda a lei da natureza, o vencido deixa sua alma ali, tendo o direito de apenas a matéria ser devolvida ao mundo externo. Mas agora, liberta das dores, resolveu curtir a vida. Foi pagodear, forrozear, bolerar, baianar, cachacear... Até juramentou dia desses, sendo disputadíssima por um índio e um centroavante de um time de futebol.
Como todo amor termina com o anel enfiado no dedo, Rose, com seus lindos cabelos aloirados pela magia das tintas, se juntou em enlace matrimonial com Custódio, aquele mesmo que foi atropelado quando pedalava sua amada bicicleta Olé 70 pela Avenida Magalhães Pinto. De acordo com atendentes do Samu, o moço desfalecido, sangrando pelas ventas, quando perguntado se podia falar, apenas respondeu:
- Minha bicicreta quebro, gente...
A felicidade dos dois estava escrita no horóscopo que Rose leu na revista Contigo, pois na mesma noite, na folia de reis no Tancredo Neves ll, lá estava Custódio com seu cavanhaque aparado e sua camisa do Corinthians, sorrindo com galanteio, entre um guaiano e um lundu.
Os dois se atracaram em um ardente beijo, trocando farofas e fiapos de frango. Casaram e, com o dedo no mapa, escolheram a cidade de Cláudio para desfrutarem os momentos mais íntimos. Ao descerem na rodoviária, o primeiro desconcerto: ao chamar um táxi, Custódio ouviu do motorista que aquele aguardava uma reserva, mas o pão de sal estava chegando. Custódio, começando a se alterar, disse que não estava brincando, o guarda que passava pelo local perguntou ao taxista:
- O que houve, Pão de Queijo?
- Só um mal entendido, Tanga Preta!
Sem ter o que dizer, o casal apenas se olhou, momento em que chegou outro táxi, e adentraram.
- Vai pra onde, canarinha? - falou o condutor.
- Ô rapaz, respeitia minha muié!
Custódio saiu do sério e pouco à frente pediu pra parar. Chamou um vendedor de picolé e, entre um morango e um abacaxi, quis saber onde encontrava um hotel próximo. O garoto respondeu que ali só tinha a casa de Da Luz, mas se não quisesse poderia ligar para o Kissuco, que este pediria ao Açafrão para buscá-los.
Achando que estivessem em cidade de loucos, resolveram ir até a delegacia procurar refúgio. Atendidos pela autoridade, que pediu que sentassem, chamou o escrivão:
- Anota aí, Piolho!
Rose tomou a frente e começou a falar. Quando deu uma pausa foi chamada de Picapau amarelo. Custódio, furioso, desacatou o oficial e, no momento da voz de prisão, ouviu a sentença:
-Seu Cu, o senhor está preso por desacato!
Mas, antes de ir para a cela, um soldado perguntou de onde eles eram, ficando entendido que os dois não sabiam que estavam na cidade dos apelidos. Esqueceram a lua de mel e voltaram para a terrinha sem alcunha. Rose, ao chegar em casa, mandou soltar o canarinho de cabeça amarela que tinha na gaiola. Custódio foi além. Quando aguardava um cadastro na prefeitura, dispensou a gentileza da atendente quando viu na sua frente o primeiro de nome Carlos ser tratado desta forma:
- Oi, Cá, seja bem vindo!
O segundo se chamava Miguel, também se deleitou da mesma educação:
- Oi, Mi, satisfação em conhecê-lo.
O outro era Murilo e novamente a simpática atendente gracejou:
- Oi, Mu, bem vindo à casa do povo!
Custódio, com o trauma de Cláudio ainda sem curar na cabeça, foi até a moça e cochichou com voz enfurecida:
- Ó, num pricisa diminuir meu nome não, ta? Olha lá!