Adilson Cardoso
Estão falando de arte! Flagrei no ponto de ônibus alguém comentando sobre o roubo das obras no Masp - Museu de arte de São Paulo. Infelizmente se referiam ao valor das pinturas, com uma dose a mais de pesar quando a referência foi de menosprezo a tais patrimônios da humanidade. Uma das obras é do pintor espanhol Pablo Picasso - O retrato de Suzanne Bloch, de 1904 - e a outra é do nosso Cândido Torquato Portinari - O lavrador de café, datado de 1939.
Não vejo necessidade em falar, além disso, sobre as obras, já que toda a imprensa falada e escrita já disse tudo. Quero apresentar um pouco de um dos maiores pintores que nossa pátria já pariu. Cândido Portinari nasceu numa fazenda de café, em Brodósqui, São Paulo, em 29 de dezembro de 1903. Filho de imigrantes Italianos, Candim, como era chamado, foi uma criança diferenciada, trocava todas as brincadeiras da sua idade pelo lápis e um pedaço de papel, mancava da perna direita, pois esta nascera mais curta que a outra. Seu pai ainda tentou com farmacêuticos, quando não conseguiu resolver, levou-o ao benzedor Mané Gavião, que o benzeu durante sete sextas feiras, sem êxito.
Aos nove anos de idade, seus pais pagaram a um desenhista e pintor de Brodósqui, de nome Zé Murai, para ensiná-lo a desenhar, porém, o pequeno artista ia além das limitadas técnicas do professor. E, aos doze anos de idade, surpreendeu a todos com um retrato do músico Carlos Gomes, considerado oficialmente como o primeiro desenho do pintor. Assim, não parou mais de tentar copiar as faces dos irmãos, pais e amigos. Alguns ficavam bons, outros nem tanto, porque o menino de Brodósqui também precisava brincar.
Seus pais começaram a pensar na possibilidade de enviá-lo ao Rio de Janeiro, então capital federal, para estudos e mais proximidade com o mundo das artes visuais. Já que Candim estava determinado que seria um pintor profissional, principalmente depois que ele ajudou um pintor a decorar a igreja local e, em seguida, um escultor. Mas ainda não havia uma oportunidade de mandá-lo para a metrópole, até que a sorte chegou na forma de Quirino, um rapaz que iria se casar com uma moça do Rio e, em conseqüência, se mudaria para estudar Odontologia.
Cândido Portinari chega ao Rio em 1918, vai morar em uma pensão e entregar marmitas para ajudar nas despesas, já que os pais não têm condições de enviar o dinheiro suficiente. Começa a ter aulas no Liceu de Artes e Ofícios, matricula-se também na Escola Nacional de Belas Artes, passando à turma de pintura só em 1921.
Com o aumento da necessidade de material e da própria comida, Portinari arranjou um emprego ganhando 200 mil réis mensais, para pintar carros funerários. Em 1922, ano em que ocorreu a Semana de arte moderna, Portinari enviou um quadro ao Salão Nacional de Belas Artes, passando totalmente despercebido pela critica.
Em 1923, a situação começa a mudar, envia um retrato ao salão e desta vez foi premiado com medalhas e um prêmio de 500 mil réis, além de elogiosas criticas, inclusive de professores da própria academia. Nessa época, Candim havia deixado o emprego na funerária e fora pintar letreiros em uma livraria. Ganhou uma sala na escola, uma nomeação para educador numa escola noturna da prefeitura, ficando por pouco tempo.
Sua pintura foi evoluindo; em 1924 enviou novamente o quadro Baile na roça e dois retratos, sendo aceitos apenas os últimos, fazendo com que vendesse o primeiro a preço ínfimo a um dono de casa de câmbio. Em 1925 envia novos trabalhos e mais uma vez é premiado com medalha de prata, mas seu sonho era o prêmio da viagem a Europa, que veio em 1928. Todos os jornais estampavam o rosto do filho de mais ilustre de Brodósqui que agora iria ganhar o resto do mundo.
Em 1929 embarca num navio rumo à Europa e conhece Inglaterra, Espanha, Itália, se instalando em Paris. Com uma bolsa de 3.200 francos do governo brasileiro, Portinari conseguiria viver tranqüilo e dedicar-se somente ao seu oficio. A proximidade com a Escola moderna de Paris, onde estudaram Modiglinani, Matisse e Picasso, fez com que ele se tornasse um pintor mais moderno. Além dos mestres, Portinari também encontrou o amor, a uruguaia Maria Martinelli, se apaixonaram e se casaram.
Após dois anos na Europa, Cândido está de volta ao Rio de Janeiro, tendo ao seu lado a esposa e apenas três quadros pintados, o que causou grande reboliço na época, pois era praxe dos artistas voltarem com muitas telas pintadas, às vezes uma exposição já pronta. Respondendo às críticas, Portinari se trancou por seis meses no atelier e, no final, havia 40 quadros com os mais diversos temas europeus.
A revolução de 1930 alterou o regime político no Brasil e o poeta Manuel Bandeira fora nomeado diretor da Escola de Belas Artes. Assim, pela primeira vez os artistas modernos participaram do salão, inclusive Portinari.
Cândido Portinari, ao longo de sua trajetória, pintou sobre todos os temas que lhe faziam presentes, ou os que remoíam na memória da época de Brodósqui. Voltou outras vezes à Europa, convidado para exposições ou simplesmente para viajar com a família. Sentia-se muito triste com a desigualdade social e, às vezes, passava horas e horas à noite escrevendo poesias que eram o escape desse território engolidor de criaturas sem poder.
Famoso e reconhecido em todo o mundo, Cândido Portinari deixou esta terra em 06 de fevereiro de 1962, intoxicado pelo chumbo da tinta. Seu corpo foi velado no Salão de eventos do ministério da Cultura.