Leitura sem censura: Confirmado, Maria traiu José

Jornal O Norte
26/12/2008 às 09:25.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:54

Adilson Cardoso


adilson.airon@mail.com

Talvez jamais tenhamos certeza se Capitu realmente traiu Bentinho. Machado de Assis, com sua perspicácia, dorme tranqüilo no seu túmulo, sentindo a curiosidade universal que aumenta a cada nova tese. Se Monalisa era Gioconda ou o próprio Da Vinci envolto nas suas fantasias também permanecerá em segredo eterno. Agora, doa a quem doer, Maria traiu José na maior cara de pau!

Mas, calma inquisidores de plantão, não me mandem para a fogueira antes de entender a minha denúncia. A história de Maria e José tem como cenário a pequena cidade de Nova Porteirinha, na microrregião de Janaúba, com pouco mais de 8.000 habitantes e uma ponte que divide as duas cidades.

O casal morava tranqüilo, vivendo da plantação de bananas e suas criações de pouco número para seu sustento. Casados há algum tempo, mas sem filhos por conseqüência de uma queda de cavalo  quando mais jovem ter esterilizado José.

Maria era mais jovem, bela e fogosa, sonhava em ter um filho. Os dois, católicos praticantes, porém, o marido era além do normal. Tinha tanta fé, que só iniciava seu trabalho de manhã após voltar da missa das seis. Isso, ordinariamente, de segunda a segunda. Maria às vezes ia, outras se desculpava, dizendo não estar passando bem.

O tempo ia correndo, com o moço cada vez mais católico, e ela cada dia mais sagaz, pensando em outras variações do sexo religioso do esposo. Invadiam o seu pensamento as mais loucas imagens de corpos e roupas, bocas e muito mais.

José estava tão cego na fé que deixou se enganar numa feira de Porteirinha por um Jeremias que lhe vendeu uma folhinha com a foto de Bento XVI por cento e cinqüenta reais.

Nessa época, o preço da banana começa a cair, segundo alguns seria a crise da bolsa nos Estados Unidos. O pobre fiel depositou em Deus as esperanças e disse que se tratava da vontade Dele. Ao virar-se, Maria levantou o dedo médio em sua direção e pronunciou em cochicho um monossílabo bastante usado nessas ocasiões. Sem condições para continuarem ali, Maria e José foram para Pai Pedro, onde a antiga moradia estava fechada.

A mulher, mesmo contrariada, aceitou ir para aquela sequidão insalubre viver de uma pequena ajuda que o governo oferecera aos produtores lesados. Naquele lugar, o homem mergulhou totalmente no mundo religioso. Nada mais queria fazer senão preparar sua alma para a chegada de Jesus Cristo. E o povo de pouca instrução começava a se levar pelas fanáticas investidas de José.

Certa vez, a mulher fora repreendida a tapas numa linda noite de sábado quando, no raro ato sexual, soltou alguns gemidos de prazer. Ela chorava e maldizia, ele orava e pedia perdão. No outro dia, um tal Fidelcino Neto, andarilho de Alagoas, comerciante de redes, começou a tentá-la, pois sabia da situação. No primeiro dia foi expulso; no segundo ouviu um não médio; no terceiro dia talvez; no quarto dia um sorriso; no quinto já estava na sala da casa ouvindo seus lamentos. Tudo isso com José peregrinando no sol ardente com uma cruz de três metros arrastando nas costas, dizendo que Jesus viria logo. Olhava para o céu e via anjos voando como na canção do padre pop star.

Era tudo que Maria e o camelô precisavam para terem o filho tão sonhado por ela. O anjo seria o álibi. Na cama, Maria era Bruna Shurfistinha fazendo tudo que o momento permite e mais um pouco que ainda não inventaram. Até se darem conta que a gravidez era fato. Aos primeiros enjôos, o alagoano fugiu na calada da madrugada numa ambulância rumo a Montes Claros.

De acordo com o motorista, o rapaz alegou ter sido picado por cascavel. Agora era o álibi que Maria ensaiava, mas a coragem faltava, até sentir os primeiros pontapés no ventre,  para confessar quanto ele admirava o firmamento. Disse estar grávida e que o anjo pediu que ele tivesse fé que era o filho de Deus.

José se ajoelhou e beijou os seus pés, convocou todos os fiéis seguidores e anunciou a nova. O bebê nasceu sadio, assistido pelos melhores obstetras do país, em um hospital do SUS. Passados quinze anos, José ainda continua internado no Rio de Janeiro, na Casa das Palmeiras. Faz esculturas que são mostradas em todo o Brasil e no mundo, inclusive uma de suas peças que são na linha de Arthur Bispo do Rosário, feitas de sobreposições. Participou da 28º Bienal de São Paulo, porém, a habilidade adquirida não lhe deu a sanidade precisa, pois ainda repete que sua esposa, por sua pureza, foi confiada para a volta do Messias.

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