Logotipo O Norte
Sábado,10 de Maio

Leitura sem censura: A farra do boi e a prisão de peixes e pássaros - por Adilson Cardoso

Jornal O Norte
Publicado em 14/08/2008 às 09:27.Atualizado em 15/11/2021 às 07:40.

Adilson Cardoso


adilson.airon@mail.com



Na imensa televisão vazia, o desprezível esporte alcunhado de Vale tudo mostra sangue e covardia alimentado por dólares, euros e reais. Á esquerda, um aquário sob uma imensa janela que mostra entre as cortinas azuis uma vista por cima dos telhados. Ali, um solitário peixinho alaranjado agoniza a saudade das águas imensas, das intermináveis brincadeiras e dos carinhos familiares. Agora, pobre animal, é adorno e se submete aos olhares assustadores que invadem a transparência do vidro.



Talvez o homem não tenha assistido ao filme de Nemo, que custa 5 reais no Shopping popular, mas nos ensina muito, principalmente a vermos que esses pequenos seres não são  inanimados nem tampouco se criaram sozinhos e vivem sem razão alguma. Possuem genitores, irmãos e amigos que sentem dores da falta, como nós, indelicados humanos. 



A canção de Bob Dylan, Blowin  in the Wind, pergunta quantos anos uma pessoa deve existir até que se permita ser livre? Nós acrescemos que ser livre é ir além do egoísmo concretado no seio, é enxergar a beleza sem a pervertida necessidade de aprisioná-la, é sentir que a vida pulsa e respira nas menores criaturas que passeiam pelos cantos insalubres. É ter pavor de ver a estrela do mar desidratada na parede, e de olhar a cabeça do cervo  sustentada pela taxidermia. É abrir as gaiolas e soltar todos os pássaros, deixando as penas coloridas de todas as espécies se unirem nas matas, para saudar as manhãs e, no calor do ocaso, praticar as canções que se despedem do dia.



Mas alguns desses chamados humanos já morreram e a carcaça putrefata se arrasta pelos tempos, com a maldade circulando no oco de vasos e artérias. Praticam, além de tudo, um dos rituais mais selvagens e cruéis contra os animais, uma vergonha acoitada por autoridades e grande parte da população chamada de farra do boi, que acontece em Santa Catarina todos os anos, nos dias que antecedem a páscoa. Segundo relatos, o boi é confinado por vários dias, passando sede e fome, com a comida e água sendo colocadas fora do recinto, porém, ao alcance dos olhos do animal, o que aumenta a sua angústia e necessidade do alimento. Ao ser solto, ele sai correndo sem rumo, sendo seguido por uma multidão de homens, mulheres e até crianças munidos de paus, pedras, lanças de bambu, chicotes e  facas.



Nesse circo de horrores, o boi é torturado de todas as formas,  cortam-lhe o rabo, quebram os cornos,  jogam gasolina e ateiam fogo sobre seu corpo, além de  jogar pimenta e furar os olhos, o que também faz parte da brincadeira... Muitos desses animais, na tentativa de se livrarem do sofrimento, correm para o mar, onde morrem afogados. É bom saber que, a morte só pode acontecer no ultimo caso. Machucado, com fome e sede, ainda precisa  resistir até o dia do encerramento da farra.Para essa selvageria  liberada, os bois são doados por pessoas influentes da sociedade, como políticos, donos de restaurantes,  hotéis e cidadãos abastados comuns, que lucram com a covardia praticada.



Tudo isto para dar sentido a um primitivismo absurdo de acéfalos sem amor algum, pois atribui-se à paixão de Cristo, onde o boi é colocado como Judas Iscariotes, o traidor. Outros do mesmo nível de raciocínio acreditam que o animal simboliza satanás e, através da tortura, estariam se livrando dos pecados.



E o país dos direitos humanos continua atacando a ordem do dia, olhando com estrabismo sem buscar entender o que enxerga, aceitando passivamente toda essa injustiça contra a natureza. Esperamos que com isto daqui a algum tempo não tenhamos que reinventar nosso folclore para explicar aos que virão o que foram esses belos seres que estão nas fotos amareladas e nos arquivos antigos dos computadores.

Compartilhar
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por