La pasta asciuta - por Eduardo Lima

Jornal O Norte
Publicado em 20/12/2006 às 11:39.Atualizado em 15/11/2021 às 08:46.

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Eu gosto de macarrão. Sem culpa. Digo sem culpa, pois seria natural que eu gostasse de feijão e arroz, angu e frango com quiabo, torresmo e tropeiro e disso tudo gosto também, inclusive com macarrão. Macarrão é democrático, barato e rápido. Macarrão é coisa de solteiro e de casado que chega tarde. Macarrão parece domingo e com frango assado e maionese então é mais um brado retumbante, nacional.



Por mim, lhes digo; sou do tempo em que macarrão não era prato principal. Macarrão era um coadjuvante chique, tingido a urucum e com pedaços de cebola, pimentão e tomate. Ficava ali garboso, pronto para servir e enfeitar. Era comum com carne cozida, ou ovo, ou frango e até um bife ao ponto compondo o arroz, o feijão, rodelas de tomate e alface. Montavam-se pratos feitos com este esboço lúdico.



Não me lembro, em menino, de comer só macarrão, como se faz agora. No macarrão eu me iniciei aqui na capital, tanto quanto me perdi da castidade para o angu do Jesuíno e outras madrugais delícias. Delícias da Cantina do Alvim, do Lucas, do Giovanni, do Ângelo e do Rosário. Casas italianas, entre aspas, que ofereciam carnes com queijo, tais como filés a parmegiana e outros sabores, com molho farto e embutidos.



Aí é que me lembro mais da perdição. Em Santa Tereza bastava chegar bem tarde e forrar, para depois merecer sono intenso e curto, justo para manter o corpo pacificado e a rigidez do horário. Hoje proliferam as casas de massa, as mais nobres, sofisticadas e saborosas, sobretudo saborosas. Refinadas, servem vinhos de reserva, enfeitam-se, tocam canções de Parma, de Nápoles, de Veneza, dos cantos todos de Itália, terra de sonhos nossos.



Só que o macarrão não é italiano. O maçarão é chinês, embora nós o cultivemos com latina devoção. Na verdade, o macarrão é muito mais, anterior a quase toda a história sabida. Uma iguaria, sem dúvida, tal como sorvete e pizza, paladares universais mesmo e apesar do esforço do hambúrguer rápido.



O macarrão tem mais história. É anterior a Cristo. Freqüentou todas as mesas, em especial as humildes, e serviu a batalhões inteiros, aos conquistadores, aos heróis e aos covardes. E para dar, pois, valia ao que lhes conto, encontrou-se há pouco, num sítio arqueológico na China, às margens do Rio Amarelo, uma tigela com restos da iguaria. Presume-se que alguém comia quando houve um violento terremoto que a tudo engoliu, sepultou casas e gente. A tigela virada resistiu, mantendo no seu interior o macarrão, ora sem molho, mas tal como é hoje.



E sabem há quantos anos aconteceu de um chinês estar comendo macarrão na hora do sismo? Quatro mil anos. Exatamente quatro mil anos, tempo anterior à maioria das civilizações que sobrevivem. O macarrão é, então, diante de fatos tão comprobatórios, digno merecedor do sucesso que faz. Gostoso e suculento com isso ou com aquilo, é o mais planetário dos paladares. Caro ou barato, foi ele quem inventou, antes de se inventar Santa Tereza, o sorriso imortal do meu amigo Bolão.



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