Logotipo O Norte
Domingo,8 de Junho

Juscelino e o arroz com pequis

Jornal O Norte
Publicado em 11/01/2010 às 09:34.Atualizado em 15/11/2021 às 06:16.

Felippe Prates



Na década de 50 do século passado, morava em Montes Claros um cidadão chatíssimo, chamado Valério, dono de um restaurante com o mesmo nome no centro da cidade.  Como o movimento era fraco, Valério não perdia a oportunidade de promover banquetes em seu estabelecimento - os atuais almoços de adesões.  Bastava saber de algum montes-clarense recém chegado, conhecido ou não, morador de outras plagas que retornava à terra natal em férias, para matar as saudades e visitar os parentes e Valério logo procurava os seus amigos sugerindo, com insistência, a realização de um grande banquete em sua homenagem.  Às vezes exagerava: se alguém sobrevivesse a um ligeiro acidente ou mesmo se recuperasse de uma gripe forte lá ia o Valério a propor um "banquete em ação de graças"... Nessas ocasiões o "restaurateur" montava cardápios que considerava refinados prescindindo dos ensinamentos legados por dona Joaninha Teixeira - a grande mestra da arte culinária montes-clarense - e o arroz de forno, o tutu de feijão, o leitão assado eram substituídos por pratos de nomes arrevesados, de origem estrangeira, dos quais ninguém gosta e que ainda hoje são considerados obrigatórios nos grandes rega-bofes.  Os inigualáveis doces feitos pelas sucessoras de Aninha Pinto e Alda Queiroga, nem de longe apareciam.  As sobremesas constavam de frutas geladas e sorvetes servidos com cremes estranhos, num verdadeiro atentado à boa mesa de nossa terra tão rica pelas suas tradições, seus costumes e encantos naturais. 



Quando Juscelino era Presidente da República, época inesquecível em que todos nós vivemos autênticos anos dourados, muitas vezes visitou Montes Claros  -  sempre trazido pelas mãos de seu auxiliar e grande amigo João Milton Prates, o comandante Prates, herói da FAB na segunda grande guerra e que emprestou seu nome à avenida que conduz ao aeroporto da cidade.  Numa dessas visitas ficou combinado que o Presidente na sua próxima vinda almoçaria aqui - ocasião em que a organização e o serviço do banquete, por decisão do prefeito Geraldo Athayde, aconselhado pelo vereador Joaquim de Abreu seriam confiados ao Valério.  A notícia dessa incumbência quase o mata de tanta alegria e de orgulho. Segundo ele, já podia morrer feliz, plenamente realizado na profissão, pois considerava a suprema glória, a honra definitiva, servir ao Presidente da República:



- Vocês vão ver que maravilha será!  Montes Claros vai ficar famosa com a repercussão dessa festa, pois daremos um "show" de culinária francesa, desde a entrada até as sobremesas, dizia.



Durou pouco a euforia do "chef"curraleiro Valério. 



A nova visita presidencial foi marcada para meados do mês de janeiro, época dos pequis, e num telefonema para o prefeito Geraldo Athayde, João Milton informou que o Presidente gostaria de almoçar o seguinte: arroz com pequis, carne de sol, mandiocas fritas e farofa simples.  Sobremesa: doce de leite pomadinha com queijo Minas.  Bebidas: água, cerveja e refrigerantes. 



Foi água fria na fervura...Valério, aos prantos, ameaçava suicídio e os granfinos tupiniquins torceram o nariz para esse cardápio que achavam paupérrimo, sertanejo demais,"très Xangai",  como diria Ibrahim Sued, no auge da fama.



Grande Juscelino!  Mais uma vez faiscou o gênio do maior brasileiro de todos os tempos! Além do bom gosto, ao prestigiar a cozinha da terra - sem igual no mundo inteiro - deu uma lição de brasilidade, de amor ao que é nosso.



O banquete sertanejo, só de comidas montes-clarenses, realizou-se nos salões do antigo clube Montes Claros, onde hoje funciona o Conservatório.  Alegre e descontraído, deixou saudades.  Com um toque de requinte: ao lado de cada prato havia uma pequena toalha rendada junto a uma bela tigelinha prateada, com água límpida, em que boiavam lindas e variadas florzinhas do campo - para que os comensais pudessem lavar e enxugar delicadamente os dedos, após, indispensávelmente, pegar os pequis com as mãos, para roê-los, no legítimo e autêntico estilo sertanejo...  Idéia de Helena Prates Quadros, à época a grande "hostess" de Montes Claros.  É grato assinalar que, felizmente, firmou-se uma tradição hereditária no domínio dessa nobre arte, pois sua filha Suzanna é hoje a melhor anfitriã da cidade, recebendo bem demais e com freqüência, sem plumas nem paetês, apenas com a pura classe, que lhe é congênita, na sua linda casa no bairro Todos os Santos.



Por inspiração e administração nossa, Lazinho Pimenta registrou em sua coluna social textualmente: "como diria Dâmaso Salcede, delicioso personagem de Os Maias, de Eça de Queirós, o detalhe das tigelinhas prateadas ao lado das mini-toalhas de renda foi "pôdre de chic..."



Nessa festa ocorreu um diálogo bastante original entre Geraldo Prates, o escrivão do crime e Jair de Oliveira, diretor do jornal Gazeta do Norte.  Geraldo Prates, como certamente dele se lembram com saudades os jovens de ontem, um homem inteligentíssimo foi, realmente, uma pessoa fora do comum.  Escrivão do crime era considerado por João Chaves, o melhor advogado de Montes Claros em todos os tempos, um verdadeiro professor de Direito Processual Penal.  Geraldo ensinou a dezenas de advogados da época, de graça, como redigir as petições ou interpor recursos de maneira objetiva, pertinentes e juridicamente perfeitos, que levavam, inevitávelmente, ao sucesso em suas causas.  Ambos, João Chaves e Geraldo jamais cursaram faculdade e nem dela precisaram.  Auto didatas aprenderam tudo graças ao brilho incomum de sua inteligência, muito estudo e o competente exercício da profissão.  Pessoalmente, Geraldo era um Prates branco, com o biótipo dos holandeses que originaram a família.  Muito claro, cabelos ruivos, dono de


um vozeirão incrível - que era a sua marca registrada.  Falava depressa demais, igual sua irmã Mercês, pois sua inteligência estava sempre muito além da  capacidade de transmitir o pensamento.  Pois bem, informado de que havia sido  instalado um telefone na casa de Geraldo, Jair perguntou-lhe qual era o número do aparelho.  Geraldo não sabia.  Jair, naturalmente, estranhou:



- Mas, Geraldo, como é que você não sabe o número do telefone de sua casa!?



- Sei não! Eu "num" ligo pra mim...



Tudo correu dentro dos conformes.  O banquete sertanejo em homenagem a JK foi um sucesso, com um único senão que, felizmente, quase ninguém notou: um vereador, que fazia oposição aos Prates, por razões ignoradas lá pelas tantas levou a tigelinha aos lábios e bebeu a água toda.  As florzinhas ficaram estampadas em seu bigode...



Fomos incumbidos de publicar a análise crítica dos últimos livros de Bala Doce e Afonso Prates Borba.  Como ainda não os recebemos, indagamos onde podemos comprá-los em Belo Horizonte ou no Rio.

Compartilhar
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por