Jeitinho brasileiro: crime ou costume?

Jornal O Norte
Publicado em 03/09/2009 às 11:23.Atualizado em 15/11/2021 às 07:09.

Yago Cavalcante



Em Brasília, o senador Eduardo Suplicy, em consonância com a oposição e com manifestantes antipizza, apresenta um cartão vermelho ao já antipatizado presidente do senado; aqui embaixo, jovens ditos envolvidos com a política organizam eventos e protestos contrários a Sarney. Ali ao lado, dois sujeitos discutem, sem qualquer base lógica, a referida questão. Enquanto se abunda toda essa verborreia, não se emerge qualquer cidadão que seja com soluções ou alternativas efetivas ao presente cenário tão conspurcado.



Enfim, a negação à conjuntura política atual é unânime; aliás, assim eu a julgava até poucos dias atrás, quando um desconhecido procurou justificá-las, com fundamentos supostamente consistentes, atribuindo a elas o nosso jeitinho brasileiro. Para ele, os atos de Sarney, não me refiro aos secretos, seriam, simplesmente, frutos da nossa cultura. Nesse momento, aguardava uma fila bancária para pagamento de um imposto do qual nem me lembro mais; e preferi não titubear.  Afinal, esse jeitinho brasileiro é, na verdade, crime ou costume?



Nesse últimos dias, propus-me refletir sobre essa indagação. Por acaso, quem nunca recorreu a um simples jeitinho brasileiro algum dia? Seria eu um criminoso?



Por suas consideráveis aceitação e ocorrência, notamos que o jeitinho brasileiro é, certamente, mais um de nossos costumes, mas não um crime, propriamente dito. Devemos nos ater, no entanto, ao seu controle, haja vista a possibilidade de ele assumir dimensões superiores e transgredir os limites legais.



Desrespeitar filas em ambientes públicos, ocupar assentos destinados a idosos ou trapacear um adversário em um simples jogo de cartas são atitudes que, por mais contravencionais que sejam, são frequentemente desempenhadas e admitidas por muitos de nós, o que as consagram como sendo, realmente, um costume. Além disso, o fisiologismo data épocas bastante remotas da nossa história, em que reis, por exemplo, praticavam nepotismo em decorrência de pedidos de nobres, como Pero Vaz de Caminha, um de nossos colonizadores. Isso reitera, indubitavelmente, a ideia do jeitinho brasileiro relacionada a uma herança cultural. No mais, se as referidas posturas fossem criminosas, caber-lhe-iam punições constitucionais, o que praticamente não ocorre.



Por outro lado, é pertinente salientarmos que essas ações devem ser evitadas e bem administradas por nós, seja por seu caráter imoral, seja pela possibilidade de elas tomarem proporções maiores e se tornarem crimes, de fato. A mentira, por si só, ainda que não se trate de um crime, se não gerenciada, pode assumir níveis e manifestações distintos, como a sonegação de impostos, que é expressamente criminosa.



Inferimos, diante disso, que o famigerado jeitinho brasileiro é mesmo de caráter cultural e costumeiro, e que cabe a nós uma responsabilidade preventiva, a fim de que ele não assuma feições criminosas. Em contrapartida, justificar, por meio dele, ações de políticos larápios só nos induz a crer em uma destas três opções: ingenuidade bestial, suborno ou possibilidade de desfrutar de um cargo no senado brasileiro. Apostaria nesta última opção minhas últimas moedas provenientes do troco do pagamento daquele imposto.

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