Intimidade

Jornal O Norte
Publicado em 11/11/2008 às 10:29.Atualizado em 15/11/2021 às 07:49.

Waldir de Pinho Veloso


Advogado, professor universitário e escritor



O exercício do Direito exige alguns esforços de entendimento e interpretação. O Curso, desde que feito com afinco e por quem tem vocação para os estudos, é capaz de ensinar técnicas de hermenêutica e o gosto pela constante atualização. E estas características são capazes de fazer com que o profissional do Direito leia no artigo 422 do Código de Processo Civil que “o perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso” e, de chofre, entender que, em palavras simples, quer dizer: uma vez nomeado pelo Juiz para fazer uma perícia, o auxiliar da Justiça não assinará declaração de que fará tudo correta e honestamente, mas fará o trabalho que lhe foi confiado com a máxima perfeição, isenção e justiça.  



De tanto ler nos códigos algumas palavras que no Direito têm um significado especial, o profissional do Direito tende a agir com naturalidade ao encaixar os termos no diálogo. Principalmente, entre pessoas do setor. Ou no ambiente de trabalho. Não se trata – como alguns leigos afirmam – de exibição de conhecimento. São atitudes próprias de quem está tão acostumado em ler, repetidamente, determinadas palavras em acepções tais que estão internalizadas no vocabulário. Palavras que são participantes do dia a dia das pronúncias. O próprio vocábulo “pronúncia”, em Direito Penal, tem sentido especial. Já “denúncia” tem um significado em Direito Penal e outro em Processo Civil. E, neste último, os termos competência, impedimento, suspeição, inquirição e estado, apenas para exemplificar, têm sentidos um pouco distintos do que os não ligados ao Direito conhecem.



Ao fazer uma audiência, a lei processual civil determina que o Juiz ouvirá as testemunhas após lhes perguntar nome, estado civil, endereço, profissão, número de documentos e outras qualificações (artigo 414 do Código de Processo Civil – CPC). Além disso, e de caráter obrigatório, alertará à testemunha de que ela deverá falar apenas a verdade (artigo 415 do CPC). E, se tiver grande amizade ou inimizade declarada com uma das partes do processo (tecnicamente chamadas requerente e requerida, mas que o público em geral conhece por autor e réu), não servirá como testemunha (artigo 405, § 3.°, inciso III do CPC). Também o artigo 228, inciso IV, do Código Civil dispõe que pessoas amigas demais ou inimigas declaradas de uma das pessoas que estão disputando algo em juízo não podem servir como testemunhas. E a pergunta se a pessoa que irá testemunhar é “inimiga capital da parte ou sua amiga íntima” deve ser feita pelo Juiz, e constar do termo de audiência, sob pena de o depoimento não ter validade.



Como dito, de tanto explicar a expressão “inimigo capital ou amigo íntimo” às pessoas que comparecem para testemunhar em processos em andamento no Fórum, os Juízes costumam se esquecer de simplificar a pergunta e, naturalmente, pode ser que venham a repetir a pergunta de forma textual. E complicada. Aconteceu assim com o Juiz de Direito Bruno Terra Dias. 



Doutor Bruno, assim que assumiu o cargo de Juiz de Direito, exerceu o ofício no Leste de Minas e, após, esteve no Norte de Minas, ficando muito tempo em Januária e Montes Claros. Sempre por promoção, foi para Belo Horizonte.



Em uma cidade leste-mineira, Dr. Bruno questionava a uma testemunha os seus dados pessoais, a chamada qualificação. Antes de chegar ao “compromisso” (quando a testemunha promete dizer somente a verdade, sob pena de cometer crime), passou a fazer a pergunta sobre o possível impedimento. Nesta fase, há a pergunta se a testemunha é muito amiga ou inimiga do autor ou do réu. E o Dr. Bruno perguntou de forma que achava própria, mas a testemunha entendeu a palavra com outro sentido. O diálogo foi assim:



- O senhor é amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes deste processo?



O depoente, meio sem jeito, mas mantendo-se a sua postura de muito macho, respondeu:



- Excelência. Eu não tenho intimidade com homem nenhum. Isso, não.

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