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Quarta-Feira,15 de Janeiro

Igor Xavier: luta e luz

Jornal O Norte
Publicado em 02/03/2006 às 11:43.Atualizado em 15/11/2021 às 08:30.

Aroldo Pereira *



Como em toda a história da humanidade, a comunidade de Montes Claros de quando em quando é abalada por algum crime hediondo, atos que desestruturam a todos, trazendo revolta e inquietação.



Na madrugada do dia 1º de março de 2002, a partir dos disparos de alguns tiros em um apartamento no centro, próximo à Praça Godofredo Guedes, a intranqüilidade tomou conta das pessoas, que perceberam que um crime havia sido cometido no coração da cidade. Algumas ligações foram feitas, mas a polícia, o estado, não apareceu.



Nesse mesmo dia à tarde, em torno das 17h30, eu estava no meu trabalho, atendendo as pessoas e descolando uma grana para cuidar da minha família, quando recebi um telefonema do serviço funerário da Santa Casa, para reconhecer um corpo (que conforme a pessoa do outro lado) parecia ser de um amigo meu. Pela descrição que me foi passada, já fiquei arrepiado, impaciente e nervoso.



Liguei para a casa do Mazinho e ele me disse que Igor, seu filho, havia saído no dia anterior (28 de fevereiro) e até aquele horário não havia retornado. Aí, de imediato, chamei minha colega Zita e corremos para a funerária. No caminho encontramo-nos com o bailarino e coreógrafo Paulo di Tarso, com quem dividimos a mesma preocupação.



Assim que chegamos, a pessoa que havia me ligado conduziu-me até o local onde o corpo esperava pelo reconhecimento de familiares e amigos. Entrei e não houve nenhuma dúvida, ali estava estirado e cravejado de balas o corpo do meu amigo querido, aquele menino lindo e genial, o bailarino, ator, coreógrafo e inventor Igor Xavier.



- Ali jazia meu irmão, aquele artista inventivo, inquieto, irreverente, apaixonado, sensual, bonito e de imensa alegria



Foi um susto, uma porrada sem tamanho. Ali jazia meu irmão, aquele artista inventivo, inquieto, irreverente, apaixonado, sensual, bonito e de imensa alegria. Estava sem vida e sem sorriso. Praticamente no mesmo momento, seu pai chegou e deparando com seu corpo sobre a laje e cheio de marcas deu um grito primal, traduzindo tanta dor que até hoje ecoa dentro de mim.



Na noite anterior, por volta das 20 horas, ele havia passado pela biblioteca pública municipal Dr. Antônio Teixeira de Carvalho para folhear o JB e conversar um pouco, antes de ir para a quinta do arroz-com-pequi no bar do nosso amigo Durães.



Ali estava o corpo daquele imenso artista que depois de viajar pelo Brasil atuando no espetáculo Hilda Furacão, do saudoso amigo Roberto Drummond, dirigido pelo não menos amigo Marcelo Andrade, voltou a Montes Claros para coreografar com o Balé Jaqueline Pereira o instigante e belo trabalho de dança-teatro Vôo das Garças, inspirado na obra do mestre Zé Coco do Riachão e também para montar o seu último espetáculo Meu refrigerador não funciona, inspirado na obra tropicalista do grupo Mutantes.



- Foi o primeiro, único e também último trabalho que a sua avó dona Raquel Lacerda pôde assistir...



Esse foi o primeiro espetáculo feito pelo nosso bailarino Igor Xavier, que toda a sua família foi assistir. Foi o primeiro, único e também último trabalho que a sua avó dona Raquel Lacerda pôde assistir e comprovar a genialidade do seu neto. Ele estava em estado de graça e a imprensa deu total cobertura ao seu trabalho. Quem não viu no teatro assistiu pela tevê.



Williwander de Carvalho, Jaqueline Pereira e eu participamos como convidados do Meu refrigerador não funciona. De forma inusitada, no final do espetáculo Igor dava um banho de vinho em mim. Ficou uma cena impagável. Ele estava transbordando em beleza, no auge da sua criação.



Aí veio o destino e, através de duas armas, quatro balas, muita fúria e a maldade humana (“a humanidade é desumana”, canta Renato com a Legião Urbana) representadas pelas sinistras figuras Ricardo Athayde Vasconcelos, assassino confesso, e seu filho e comparsa Diego Rodrigues Athayde Vasconcelos, mataram um menino desarmado e indefeso.



- Ninguém ficou impassível diante da crueldade e covardia cometidas pelos assassinos



Esse crime abalou todas as pessoas de bem que, desde as primeiras notícias, se uniram aos familiares, amigos e classe cultural de Montes Claros para, na rua, de forma organizada, lutar, cobrar justiça com o peito aberto e a cabeça erguida. A notícia desse crime bárbaro, hediondo, brutal e homófobo correu o Brasil e o mundo. Ninguém ficou impassível diante da crueldade e covardia cometidas pelos assassinos. A família e os amigos têm recebido carinho e solidariedade de tudo e de todos que têm informações sobre as atrocidades cometidas pelos assassinos contra nosso Igor.



Já se passaram quatro anos e a pira continua acesa. Lutamos contra o desrespeito às diferenças, contra a homofobia, o preconceito e a injustiça. Queremos crer que mesmo sendo ricos e brancos os assassinos não ficarão impunes. E este livro da grande guerreira, mulher e mãe generosa, Marlene Xavier, é mais um grito a ecoar contra os algozes do nosso anjo e bailarino incomum.



Assim como a Semana Cultural Igor Xavier, a Praça Bailarino Igor Xavier e muitos mais eventos e protestos contundentes contra a lentidão da justiça, vão aumentar, ampliar, agigantar o coro dos descontentes contra essa situação vexatória que ainda estamos vivendo. Nós queremos justiça e não vamos baixar guarda em nenhum momento. Luta e luz para todos!



* gerente municipal de cultura

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