Honduras e a América Latina

Jornal O Norte
20/10/2009 às 08:49.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:14

Marcelo Valmor


Mestre em Culturas políticas/UFMG e professor da Unimontes

Descoberto em 1502, já na quarta expedição de Cristóvão Colombo, Honduras é um dos berços da Civilização Maia. E esteve, como de resto toda a América espanhola e portuguesa, sob o mais absoluto controle ibérico.

A economia de Honduras e região, portanto, esteve sempre vinculada aos interesses metropolitanos. Por aqui chegavam grupos de espanhóis e portugueses preocupados apenas em se tornar “gente”, já que nos seus países de origem não detinham títulos de nobreza, o que acabava os afastando dos privilégios inerentes aquela sociedade de cortes.

Os chamados criollos - espanhóis nascidos na América -, se sustentaram, durante todo o período colonial, sob o mais absoluto trabalho alheio. A escravidão, a ocupação privilegiada de terras, o extermínio indígena e a dependência estrangeira deram a tônica da relação com os colonizadores.

Por isso mesmo, algumas características por aqui foram criadas e/ou reforçadas. O autoritarismo (fruto de uma sociedade escravista) e a indiferença ao trabalho (fruto de uma mentalidade de privilégios) acabaram por fundar, nessas terras, uma classe dominante alheia a qualquer tipo de fundamento democrático.

Quando Honduras se tornou independente em 1821, os criollos davam as cartas, e assim foi até o fechar do século XIX. Paulatinamente alguns se transformaram nos famosos caudilhos (um arremedo dos nossos coronéis) e ocuparam todas as instâncias do Estado.

A onda liberal que varria a Europa no final do século XIX foi adaptada em toda a América Latina aos interesses das classes dominantes. Constituições foram aprovadas sem a presença da maioria das suas populações, minorias marginalizadas, e o sonho de Simon Bolívar e de José Martí jogado no fosso do esquecimento.

Essa realidade ainda persiste nos dias atuais, pois saímos de golpes de Estado recentemente, e essa mentalidade ainda não foi plenamente enquadrada nos limites amplos de um processo democrático forte e autônomo. Por isso mesmo, a obra de construção da América Latina passa pelas eleições democráticas e pelo respeito a vontade da maioria. E por mais que discordemos da “falta” de cultura do povo, e por isso mesmo não aprovemos a qualidade do seu voto, devemos lembrar que os analfabetos têm um argumento precioso a seu favor: os letrados construíram uma região dependente e extremamente desigual!

O golpe militar levado a cabo por uma minoria em Honduras em janeiro deste ano reflete a dificuldade que temos para construir uma democracia. E democracia no sentido de garantir aos cidadãos, seja de formação ou origem diferentes, o direito, igual, de decidir o seu próprio destino. E foi isso que Manoel Zelaya, naquele país, tentou fazer.

Só quem não conhece a história de Honduras ou não se informou através dos livros, dos vários jornais, Internet e afins sobre o que tem se passado naquele país, admite que ali não houve um Golpe Militar.

Para que não fiquem dúvidas sobre essa nossa afirmação, vamos aos argumentos.

As desculpas para destituir um presidente legitimamente eleito passam pela afirmativa de que Zelaya queria se perpetuar no poder. Até onde consta, o presidente planejava uma consulta sobre um referendo para convocar uma constituinte que pudesse reformar a constituição. Se aprovado o referendo, a constituinte seria eleita no próximo governo, e mesmo que aprovasse a reeleição, Zelaya só poderia se candidatar em 2014.

Zelaya também não passou sobre a lei - já que a constituição proíbe a reeleição -, pois apenas propôs um referendo sobre uma ampla constituinte.

Já em relação ao argumento de que a deposição de Zelaya foi regular, os argumentos são ainda mais implacáveis. Pelo artigo 313 da Constituição, a Suprema Corte tem autorização para processar e julgar o presidente, mas isso teria que ser feito respeitando os procedimentos legais com direito de defesa e contraditório (art.82). Mas não foi isso que se observou. Zelaya foi acordado de madrugada, e de pijamas expatriado do país, o que é proibido pela Constituição (art.102).

Quanto ao argumento de impopularidade do presidente, pesquisa Gallup feita dias após o golpe dava a ele 46% de aprovação.

Aí chegamos a parte que mais nos interessa que é o refúgio de Zelaya na embaixada brasileira em Tegucigalpa, capital de Honduras. Segundo consta, e por convenção internacional, uma embaixada é uma extensão de um território, não cabendo ao presidente de fato (e não de direito) Michelleti arrogar o direito de invadi-la. Essa invasão, ao contrário do que se pensa, não deflagraria uma guerra civil (o que na prática já acontece naquele país, haja vista os índices de pobreza e de desigualdades sociais), podendo provocar, e tão somente, uma pressão de todos os países para se respeitar as convenções internacionais. Afinal, caso acontecesse isso, embaixada nenhuma estaria segura. Devemos lembrar, também, que isso nunca ocorreu em nenhum país sob Ditadura Militar.

Quem conhece um pouco da diplomacia brasileira sabe que é uma das mais eficientes do mundo. E essa competência tem agido no sentido de garantir ao Brasil uma maior influência sobre toda a América do Sul e Central, o que evidentemente passa pela redução da influência norte americana na região.

Foi por isso que Lula, desde o primeiro momento, condenou o golpe e correu mundo procurando apoio para garantir a um presidente eleito, pelo voto direto, o direito de governar. E quanto ao silêncio dos EUA, amplamente divulgado como um ato de censura ao Estado brasileiro, vai aqui a última informação. Articulistas políticos antecipam que os EUA respeitam o papel hegemônico do Brasil na América do Sul, e destinaram ao presidente brasileiro a responsabilidade de provar se pode resolver os problemas da sua região sem precisar de interferência externa.

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