Yago Cavalcante
A existência de constantes contradições e antinomias arranjadas por muitos de nós é inegável. Um bom exemplo delas é elegermos, pela segunda vez, um sujeito que já se submeteu a um processo de impeachment. E elas não se restringem à política ou à contemporaneidade. No período imperial, a Inglaterra já exportava esqui para neve para o Brasil, ludibriando boa parte de nossa intelectual elite. E para quem pense que desvarios desse tipo se foram com o tempo, cuidado! Talvez você já tenha me endereçado algumas mensagens eletrônicas.
Frequentemente recebo e-mails, correspondências, e, até mesmo, deparo-me com manifestações públicas para me engajar em protestos em prol de causas sociais ou ecológicas de âmbito mundial, como a miséria africana e a caça indiscriminada a baleias no Pacífico. No entanto, ainda que tais conclamações se caracterizem como solidárias e comprometidas com o bem da humanidade, elas se fazem, de certo modo, paradoxais; uma vez que, muito mais próximas que a África e o Pacífico, estão as mazelas socioecológicas que nos circundam.
O paradoxo atribuído às lutas brasileiras por questões internacionais está, principalmente, na expressividade de seus resultados, geralmente muito aquém das soluções almejadas. - Desconfio da possibilidade de 1000 manifestantes montes-clarenses atingirem a atenção de nosso vizinho Lula, quanto mais a do ditador norte-coreano King Jong-iI para abrandamento de suas medidas ditatoriais. - Dê outro ângulo, em se tratando de mobilizações por causas locais e realmente ao nosso alcance, a facilidade prática, bem como possibilidade de obtermos proveitos significativos, aumenta. É inquestionável, por exemplo, que, entre hastear bandeiras pela preservação de baleias orientais e arrecadar agasalhos para famílias carentes da nossa cidade, os benefícios provenientes desta última ação são mais relevantes e garantidos do que os daquela primeira. Além disso, embora não devamos acomodar-nos com injustiças sociais diversas, inclusive as que extrapolam nossas fronteiras políticas, também não podemos desconsiderar a existência de instituições e ONGs multinacionais competentes e, sobretudo, mais influentes do que a grande maioria dos cidadãos brasileiros, como a ONU, o Greenpeace e a WWF.
Outra negativa em dar primazia às questões mundiais, em detrimento da nossa realidade, trata-se da implícita valorização do estrangeiro, sugerindo, consequentemente, falta de nacionalismo e alienação ao nosso contexto social.
Esse suposto comprometimento soa como uma simples necessidade de aparentar preocupação social; ou como se o fato de defender os oprimidos norte-coreanos trouxesse mais requinte do que a mera ajuda a miseráveis famintos brasileiros.
Assim sendo, até que nossos principais distúrbios sociais sejam superados e que, diante disso, consigamos um notável poder de organização e de influência internacional, cabe a nós a atuação restauradora de nossa própria realidade, agasalhando e alimentando nossa criancinhas, até então ignoradas.