Neumar Rodrigues (*)
No duro ofício de existir, o ser humano continua um instigante mistério. Empenhado na busca do sentido da vida, não hesita em vender a própria alma ao diabo por um efêmero momento de felicidade. E sua vida se desdobra, inteira, enredada a elementos de intriga, segredos, perfumes, texturas e sabores. E o pacto faústico (vender-se ao diabo
em troca da ventura) continua sendo uma realidade, maior ou menor, em seu cotidiano.
Raramente, nesse mundo brutal e brutalizado em que vive, surge a possibilidade de agregar à tragédia de seu mundo as tintas suaves da delicadeza e da melancolia. O caminho para tal se faz caminhando. Mas a tarefa é árdua. Há que percorrer praias, sóis, estrelas, chuvas, noites, com ou sem luar. Haja sandálias.
E a experiência é única para cada um. É preciso viver o máximo no mínimo, sem concessões às facilidades, tateando no escuro a tristeza e a nostalgia, sob a impiedosa batuta do tempo que se esvai inexorável.
Por mais leve que seja o fardo, a vida, necessariamente, aprisiona, alfineta, interdita, faz sofrer. Porque o apelo da liberdade sempre fala muito alto. Liberdade que longe de ser um parentesco com a felicidade, é sempre sinônimo de conflito, agonia e solidão.
Quando os sonhos de liberdade se frustram, quando o que poderia ter sido e não foi, entra em cena a arte, essa construção sutil da imaginação, buscando encontrar respostas às perdas e frustrações cotidianas. Resta aceitar que, abaixo da linha do silêncio (pois lamentar é inútil), o tempo foge, faz soar e ressoar a saudade, embalada pelo vento das estações tristes, outono, inverno, desamparo e solidão.
A recorrência desesperada à arte, cuja regra fundamental é dar contornos, cor e expressão à dor, torna possível o que o real proíbe, oprime, rejeita. A arte é a compensação imaginária para a catástrofe da história pessoal humana. Por isso, a arte resiste ao tempo, às modas, ao mundo administrado pelo autoritarismo, pelo ressentimento, pela manipulação.
Sujeito a inúmeras quedas, e sob o domínio do medo, não raro o homem se infantiliza, deixa-se tutelar, torna-se supersticioso, depositando em alheios ombros a responsabilidade pela construção de si mesmo e do mundo. Entra em cena o cortejo das forças transcendentais. E o homem se acovarda, se anula, se exime, pois não há como exercer controle sobre o transcendente.
Mas a arte é um recurso sempre à mão. A arte estabelece uma espécie de poesia, uma forma específica de conhecimento, que possibilita recriar o próprio tempo de uma forma também poética, o que facilita ao homem ocupar a própria pele, fazer uso do perdão, se for preciso, para que o ofício de viver se torne razoavelmente possível. A arte possibilita ao homem abrir-se, com trágica sinceridade, sobre os seus fracassos, sua intolerância, seus preconceitos e fragilidades. A arte permite exercer o que constitui fundamentalmente a condição humana – a capacidade de criar e experimentar novas dimensões, o desejo de metamorfose.