Petrônio Braz (*)
A violência e o banditismo no Nordeste brasileiro são tratados com seriedade pelo sociólogo Frederico Pernambucano de Mello em seu livro “Guerreiros do sol”, com prefácio de Gilberto Freire, que acabo de ler.
A história e a ficção são dois campos distintos da arte literária, mas as fronteiras entre ambas nem sempre são observadas. Frederico Pernambucano de Mello interpreta a vida social do Nordeste, as lutas de classes, baseado na concepção materialista e dialética da história. Afirmou Carlyle que “a história do que o homem praticou no mundo é, na essência, a história dos grandes homens” e Goethe disse que “o que se chama espírito dos tempos não é, na essência, senão o espírito próprio daqueles homens nos quais os tempos se refletem”.
Observa Gilberto Freire que ao autor de “Guerreiros do sol”, ao contrário do que acontece com muitos que se aventuram na arte de escrever história, não faltou senso de responsabilidade intelectual e não se serviu do arrojo do improviso em torno de um assunto complexo.
O autor nos conduz ao entendimento do ciclo do gado, no isolamento do sertão; à estrutura, formas e agentes da violência e da criminalidade sertaneja; à endemia do cangaço, ao escudo ético do cangaço e dos cangaceiros; aos males das secas, às agitações sociais, apontando o cangaço como meio de vida; à repressão policial, ao ciclo dos grandes acordos, e à saga dos coronéis sem terras. Leva-nos ao sertão de Euclides da Cunha.
Analisa-se a história em razão da estrutura cultural do tempo. Assim, como examina o Autor, a violência no ciclo do gado fundamentava-se no desafronto e na vingança, que levou Gustavo Barroso a afirmar que “no sertão quem se não vinga está moralmente morto”.
Lembra o autor que o cangaço teve em Lampião (Virgulino Ferreira da Silva) e Antônio Silvino os seus representantes máximos, e que o cangaço figurou “como última instância de salvação para homens perseguidos”. Esclarece que “fazer-se cangaceiro significaria responder a uma afronta sofrida”, mas também tem origem na miséria provocada pelo problema das secas.
Com farta pesquisa documental e fotográfica o Autor informa todo o percurso da vida de Lampião, de seu reinado, de seu valor combativo, de sua morte, numa abrangência de espaço e de tempo.
Em todos os estados do Nordeste teve o Rei do Cangaço força protetora, mas foi em Sergipe onde ele estabeleceu o seu mais seguro refúgio, protegido pelas poderosas famílias Brito e Carvalho, pouco valendo a união das forças militares de cinco estados para reprimir o cangaço, sendo de se destacar que em 1937 Lampião e seus seguidores utilizavam fuzis e munições de 1935 e 1936, enquanto as forças militares estaduais dispunham de velhas cápsulas de 1911, fato que nos remete aos tempos atuais da criminalidade organizada. Contudo, nos momentos finais da perseguição ocorreu uma superação tecnológica, tanto que no combate do Angico, sob o comando do tenente João Bezerra, onde morreram o capitão Lampião, Maria Bonita e a maioria de seus seguidores, a força policial dispunha de quatro submetralhadoras.
Contrariando a teoria lombrosiana, os chamados estigmas físicos de atavismo, o exame da cabeça de Lampião pela medicina especializada concluiu que era um dolicocéfalo perfeito.
(*) Advogado e escritor