Guerra química - por Felippe Prates

Jornal O Norte
Publicado em 13/11/2007 às 10:36.Atualizado em 15/11/2021 às 08:22.

Felippe Prates



Rubem “Matador” Nascimento, fotógrafo, prestava serviços à Vale do Rio Doce.   A esposa, Joyce, brilhou como  destacada artista de novela do elenco da TV-Tupi.  Turfista de carteirinha, o apelido ele ganhou quando um belo dia deu uma “barbada” para alguns amigos mais chegados, inclusive nós, seguríssima informação “de cocheira”, que garantia que o cavalo “El Matador”, um “azarão”, sem a menor chance, ganharia o quinto páreo do Jockey no domingo, disparado na frente, com vários corpos de luz.  Mas era um segredo, para não prejudicar o rateio do animal, que pagaria aos seus apostadores uma pequena fortuna!



- O bicho tá  “envenenado”, é capaz de chegar e cair morto na hora, de tanto “veneno”.  Vai voar baixo... Não tem erro, gente, quem não jogar vai se arrepender, garantia ele, olhos arregalados, falando baixinho, tapando a boca com a mão para ninguém ouvir.



E lá se foram parte das nossas economias jogadas nas patas do “El Matador”, que além de perder o páreo chegou em último lugar.  Um fiasco e o palpiteiro, preocupado com a própria pele, passou uns dias sumido, com medo de apanhar.



Além de turfista, às vezes pouco inspirado, Rubem adorava a boêmia.  Homem da noite, na hora do jantar, em casa, lançava mão do que chamava de “guerra química”:  preparava uma laranjada numa jarra caprichada, com bastante gelo, para a esposa Joyce tomar durante a refeição, em que misturava dois comprimidos de Gardenal, bem amassadinhos... Segundo o marido malandro, a Joyce já se levantava da mesa meio tonta e, levada  por ele, ia direto para a cama, se deitava e “apagava”. Em seguida, o Rubem partia para a noite, tranqüilão.



 - Ela nem se mexe. Do jeito que deita a encontro no dia seguinte, de manhãzinha, quando eu chego... A Joyce só acorda lá pelas dez horas... Uma beleza, nunca desconfiou de nada...



Mas um dia, o Rubem se deu mal.  Preparou a laranjada, com os comprimidos, pouco antes do jantar e guardou na geladeira.  Acontece, que seu filho único, adolescente , o Rujoy (infeliz combinação de RU de Rubem com JOY de Joyce, um horror!) chegou do futebol, morto de sede, abriu a geladeira e se deparou com aquela suculenta laranjada, com o gelo picado boiando na jarra, toda suadinha.  Não teve dúvidas: bebeu tudo, direto da jarra e lambeu os beiços... Cinco minutos depois, estava caído no chão, desmaiado, respirando com dificuldade.



O Matador foi à loucura!  Chamou a ambulância e teve que contar para o médico o que o filho havia bebido.  Com diagnóstico de princípio de envenenamento, removido para o hospital, Rujoy, à beira da morte, foi internado em coma e durante vários dias nada de melhorar.  O Rubem, enlouquecido de remorso e de medo de perder o filho, desesperado, certa tarde apareceu com as calças rasgadas e os joelhos sangrando:  por via das dúvidas e por conta, para melhorar o câmbio com o pessoal do andar de cima, tinha subido as escadas da Igrejinha da Penha de joelhos, chorando e rezando, prometendo a Deus e todos os santos o possível e o impossível, inclusive largar a boêmia e tornar-se “Soldado de Jeová”, tudo em nome da recuperação do rapaz.



Um tremendo sufoco!



Numa bela tarde recebemos um telefonema do Matador, aos prantos, direto do hospital, o que nos deixou muito assustados, pois imaginamos que o jovem tinha morrido.  Quando conseguiu falar, disse:



- Prates, pelo amor de Deus, venha aqui e me salve!  O policial de plantão quer me prender sob a acusação de tentativa de homicídio do próprio filho por envenenamento!  Os fotógrafos dos jornais estão tentando tirar meu retrato, os repórteres junto, vão publicar tudo, um escândalo, um horror!



Deu um trabalhão danado para que o policial desistísse da idéia.  Com muito custo, conseguimos convencê-lo de que houvera um acidente, apenas isso e que ninguém estava querendo matar ninguém.  Explicamos que a medicação, prescrita por um especialista, era muito amarga, ruim de tomar, com efeitos colaterais e o Rubem, com a laranjada e os comprimidos nelas diluídos, procurava ajudar,  tornando menos desagradável o gosto do remédio e o tratamento da esposa, viabilizando-o...  Desculpas, apenas desculpas...  Para aliviar a barra do Matador, evitando sua prisão, o policial exigiu uma declaração médica, assegurando que a Joyce era epilética e tomava o Gardenal regularmente, o que foi obtido com um neurologista amigo.  Mesmo sem fotografias, os jornais deram algumas notícias sobre o fato.



Rujoy, felizmente, escapou.



Quanto ao Rubem Matador, “guerra química”, nunca mais!   Cumpriu a promessa, largou a boêmia e ingressou nas fileiras do exército evangélico, tornando-se um garboso “Soldado de Jeová”. 



Pelo tempo, já deve ser sargento...



“...Às pessoas que eu detesto/diga sempre que eu não presto/que o meu lar é um botequim/que eu arruinei a tua vida/que eu não mereço a comida/que você pagou prá mim...” – Noel Rosa, em “Último Desejo”, belíssimo samba-canção imortalizado pela cantora Aracy de Almeida.



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