José Wilson Santos
zéwilsonsantos@hotmail.com
Pelo vidro escurecido com insulfilme, requisito básico para aumentar a sensação de segurança pessoal e de preservação do velho toca-CD instalado na Baratinha — versão antiga do modesto Kazinho —, o Degas aqui observa enquanto roda pelas ruas como as residências se transformaram em fortalezas, guardadas por muros enormes e vigiadas por pitbulls, feras que nem se dão ao trabalho de latir antes de morder até o pessoal da casa, se alguém der bobeira.
Putzgrilo, índio velho, como os muros espicham para cima e perigam ficar mais altos que as casas. Os mais abastados, além das tradicionais cercas eletrificadas, agora instalam neles rolos de um arame cortante, afiado feito navalha. E os mais pobres não economizam nos cacos de vidro, cada vez maiores.
Contudo, se ainda é possível sentir-se razoavelmente seguro em casa, na rua o bicho pega. Não dá para ‘inexpugnar’ pessoas e blindar carro custa os olhos da cara. Assim, furtos e roubos pipocam por todos os lados, a toda hora. São tantos que a polícia precisou ficar mais seletiva, escolhendo os casos (pelo grau de gravidade e de valores mais elevados, eu presumo) que mereçam constar de um simples boletim de ocorrência feito no local.
Com tamanha dificuldade do sistema para coibir, investigar, enquadrar os malacas nos rigores da lei e mantê-los vendo o sol nascer quadrado, não é de estranhar que o trem tenha virado esse salve-se quem puder — e com todas as variáveis possíveis pra ficar mais feio ainda.
Lembro-me de quando arrombaram – tempos atrás, na boquinha da noite, à vista de quem quis ver — um velho Escort que possuía, e deram a elza no aparelho e no tampão com os alto-falantes. Foi bem ali ao lado da Ponte Preta, local dos mais movimentados. Liguei incontinente pra PM e pedi as providências de praxe, informando que testemunhas viram um tal de Ratinho fazendo o serviço, e o tal Ratinho morava a coisa de 100 metros de onde o carro fora arrombado.
O atendente do 190 explicou, mui educadamente, da impossibilidade de mandar uma viatura, porque todas estavam ocupadas por demais – imagino que dando providências a coisas de maior monta. Se eu quisesse, que fosse à Rodoviária, onde estava instalado o posto policial mais próximo do meu infortúnio, e registrasse ocorrência.
Fui, vi e fiquei ainda mais puto. Para registrar a ocorrência, o policial exigiu que eu voltasse ao endereço para anotar o número mais próximo de onde o veículo se encontrava, mesmo eu dando como referência conhecida escola daquela área. E não quis saber de Ratinho nenhum. Ficou o dito pelo não dito, e o Ratinho oficialmente de posse dos meus objetos.
Tempos depois, na Vila João Gordo, um trapalhão fez uma manobra mal feita com uma carreta e regaçou a lateral esquerda do velho Escort, estacionado corretamente, com mais do dobro do espaço que a lei exige para preservar as esquinas. O motorista desceu, comprovou a lambança e se prontificou a pagar o prejú. Só não o fez porque apareceu uma viatura da PM – desta vez sem ser chamada — e os policiais exigiram que a carreta fosse retirada da rua sem maiores delongas, porque estava impedindo o trânsito.
Como manda quem pode e obedece quem tem juízo, o cara voltou com o dinheiro pra carteira, agradeceu penhorado e capou o gato. Quanto ao Degas aqui, fui orientado a ir até o Alto São João, onde ficava o posto policial mais próximo, se quisesse registrar ocorrência. Mui amigos, os PMs!
Depois de amargar essas duas experiências com a polícia, hoje, em sã consciência, me dou por satisfeitíssimo. Não me sai da cabeça que devo ter corrido risco de ir parar na cana dura. Primeiro, por quase ter provocado a prisão do ladrão que arrombou meu carro; segundo, por quase ter sido reembolsado pelo motorista que acabou com a lateral do velho ex-Escort.
Por essas e outras, não me canso de apregoar que teria que ser muitíssimo besta pra me queixar da prisão domiciliar a que os malacas me condenaram. Em casa tô quase seguro, índio velho. Vou é passar mais cinco fiadas de tijolos no muro, aumentar o tamanho dos cacos de vidro e criar um pitbull dentro da Baratinha, que aí eu quero ver o Ratinho entrar lá.
Era o que tinha a dizer. E disse.