Adilson Cardoso *
Mais uma vez, o torcedor cumpriu seu papel, lotando o estádio José Maria Melo para assistir a mais uma apresentação do FEC – Funorte Esporte Clube. Porém, em tarde de pouca inspiração, a equipe de Montes Claros jogou mal e irritou os torcedores, que em uníssono pediam jogadores e garra para alguns que temiam até chamar a responsabilidade da redonda para si.
Faltando mais ou menos dez minutos para o fim da partida, uma falta mais dura no lateral direito do time da casa inflamou de vez o torcedor, que já estava sem voz de tanto gritar. Como o juiz não deu ao lance a importância que todos esperavam, que seria a punição do infrator com cartão vermelho, a exaltação de alguns sobrepôs a legalidade. Uma lata de cerveja voou para dentro do campo, na intenção de encontrar a cabeça do bandeirinha que estava próximo ao alambrado. Nesse momento, as atenções se voltaram para as arquibancadas, pois naquele espaço e adjacências que envolviam o pretenso agressor, o coro foi um só:
- Ei careca, vai tomar no...
Já que o tal tinha essa prerrogativa da calvície, e estava aparentemente alcoolizado. O careca segurava seu radinho na mão e apenas passava os olhos na imensa quantidade de rostos insatisfeitos com sua atitude. Toda essa fúria dos torcedores se deve às regras que punem severamente o time de casa quando objetos são lançados no interior do campo. Último exemplo foi o do time do Atlético, que perdeu mando de campo por causa de um chinelo atirado ao campo, durante o jogo contra o Cruzeiro.
E o coro contra o careca foi geral. O fato foi próximo à linha do meio de campo, e logo o estádio inteiro já o hostilizava. Mas careca é lugar comum! E um nobre torcedor, que não era o mesmo careca, resolveu deixar seu lugar lá nos fundos, próximo à torcida organizada. Já perto da saída, alguém que viu o brilho da sua careca rumo ao portão, iniciou o linchamento verbal contra o careca errado e, para aqueles que estavam na onda sem saber quem era, foi uma nova sessão. Ao contrário do outro careca, que nada respondia aos ataques por não ter noção da sua culpa, este reagiu e levantou o dedo indicador em estado hirto. E, logo contagiados, outros torcedores do lado extremo do campo, como a própria torcida organizada à qual o careca inocente estava próximo, entrou na onda.
Sem muitos argumentos, apenas não aceitando ser chamado bicha, o careca que não atirou a latinha de cerveja vociferou:
- Bicha é a p.q.p.
Tendo conseguido passar a via crucis, o torcedor inocente foi parado pela polícia que fazia a segurança do lugar. Este aprendiz de escritor ainda tentou, em vão, argumentar que o culpado era o outro careca que, por sua vez, estava detido pelos torcedores de lá.
Enganos dessa natureza sempre aconteceram, devido ao fervor do instante. Raul Seixas, nos idos dos anos oitenta, ficou um bom tempo sem cantar devido a uma forçada internação para se recuperar de abusos com o álcool. Na intenção de fazer uma surpresa, foi montado em São Paulo um show pela gravadora, para a grande volta de Raulzito, porém, desconfiados de que o Raul não fosse ele mesmo, alguns fãs mais atiçados resolveram tirar-lhe a máscara na porrada, e esse episódio marcou a vida de Raul Seixas até seus últimos dias.
O homem mais procurado do mundo, sendo oferecido pelos Estados Unidos uma recompensa milionária por informação do seu paradeiro, Osama Bin Laden, espalha clones pelo mundo, deixando seus sósias vagarem pelos desertos do Oriente, na intenção de enganar seus algozes, pelo visto anda conseguindo com muito êxito.
Voltando à confusão do careca, ao conseguir sair portão afora, virou-se e, em tom de desabafo, excomungou o estádio até sua décima geração. Como um Xaman em ritual, o careca que foi injustiçado disse:
- Nunca mais piso meus pés aqui!
Enquanto o verdadeiro culpado saiu com seu rádio de pilha ao ouvido e alguns dedos-duros ao lado, ainda andou um pouco, dobrando a esquina da parte de cima do estádio, mas um grupo de policiais o acompanhou, trazendo-o de volta para as acareações devidas.
* Aprendiz de Escritor