Fortuna virtual e alguma Virtú

Jornal O Norte
Publicado em 16/12/2010 às 16:46.Atualizado em 15/11/2021 às 06:47.

Helder Caldeira (*)



Está se tornando cada vez mais evidente que a tão celebrada eleição de Barack Obama não passou de uma queima de fogos salvacionista. O novo Tio Sam, meio Michael Jackson, meio Sassá Mutema, revelou que sua apregoada “change” nada mais era que uma balela eleitoral para conquistar um país atolado numa monumental e interminável crise financeira e que seus expedientes, ditos democráticos, são o esgoto da política internacional, viciada em tê-los como protagonistas, belos e bélicos, exemplos de poder e robustez. Para delírio dos que estão vivos, estamos em pleno salto da História, aquele momento pontual onde o tabuleiro mundial é sacudido e as forças tem de se reorganizar.



Não bastasse o crack financeiro e a avassaladora e despudorada ascensão chinesa, os EUA tomaram mais um baque com a revelação de seus segredos diplomáticos pelo WikiLeaks. Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, trataram de jogar panos quentes e minimizar os vazamentos. No entanto, controversos, afirmaram que a molecagem do ex-hacker Julian Assange colocava muitas vidas em risco, enfiaram sua foto entre os perigosos procurados pela Interpol, pressionaram todas as empresas que balizavam o funcionamento de seu site e conseguiram sua prisão na Inglaterra por supostos crimes sexuais cometidos na Suécia. É fato que a grande maioria dos documentos diplomáticos vazados até aqui (menos de 1% dos 250 mil telegramas que o WikiLeaks dispõe), não revelaram nenhuma novidade. Mas o verdadeiro estrago foi tornar oficial algo que sempre ficou no campo das conjecturas, dos mitos.



Um presidente no limiar do fracasso, o grande cofre indo à bancarrota e, agora, o país mais poderoso do mundo com o “cofrinho” à mostra só poderiam resultar em um movimento: uma declaração de guerra. A questão é que não estamos falando de um combate onde as tropas americanas podem desfilar seu poderio bélico ou seus soldados viciados em hambúrguer e bacon. A primeira guerra digital do século XXI acontece na cibergeografia, um território desconhecido dos governos, de quase impossível controle e onde os dutos invisíveis levam a infinitas possibilidades. É bem provável que os EUA experimentem o mesmo fel da Guerra do Vietnã, entre as décadas de 1960 e 1970, onde o acanhamento governamental e o desconhecimento geográfico suplantaram as táticas e estratégias e humilharam a narcisista superpotência.



Em meio aos ovos mexidos, há quem prefira desdenhar ou pormenorizar o fato histórico. A imprensa mundial é um bom exemplo. Os principais veículos de comunicação dos países citados nos documentos vazados estão contemporizando, assustados também com a possibilidade de estes conterem informações que os comprometam, denunciando as ligações espúrias entre a imprensa, governos e políticos. Por isso, os maiores jornais e revistas insistem manter o WikiLeaks e seu criador numa atmosfera de dúvidas e questionamentos, inclusive de caráter, afinal, é preciso deixar portas abertas caso a casa venha a cair.



Conclui-se, portanto, que a pseudodefesa da democracia passa por noções de pertinência. Não é tão intransigente como deveria ser e como é propalada. A transparência dos atos públicos, por exemplo, está no campo do depende: do que, como, de quem e com que interesse. É a democracia relativa, escroquizada, tal qual Barack Obama e seu antecessor, George W. Bush. O problema é que, para nosso lamento, o Brasil vem mamando nas tetas dessa cartilha falida há décadas: democracia sim, mas transparência só quando for interessante. Megatransparência então, nem pensar! Acredito que nenhuma nação se preparou para essa nova era, para esse novo modelo imperioso e irreversível, para a ampla, total e irrestrita democracia virtual. É extraordinário estar vivo e consciente para admirar e fazer parte da História. “E que Deus nos abençoe”, na melhor frase hollywoodiana dos presidentes americanos que sempre querem, maquiavelicamente, salvar o planeta e a humanidade. Mas sem fortuna e sem qualquer virtú.



(*) Escritor, colunista político, palestrante


heldercaldeira@estadao.com.br

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