Foi assim...

Jornal O Norte
Publicado em 03/02/2010 às 10:06.Atualizado em 15/11/2021 às 06:19.

José Wilson Santos


zewilsonsantos@hotmail.com



Conheci Dona Candice Bergen há trocentos anos. Eu, aborrecente na casa dos 12; ela, a cheyenne mais linda que já vi, mocinha do westen ‘Quando é Preciso Ser Homem’, que narrava a saga americana na expansão dos states, na visão dos ianques, e a grilagem de terras na visão dos peles-vermelhas.



Foi uma paixão fulminante à primeira vista, Índio Velho. Arriei os quatro pneus e o sobressalente. Pouco entendi da fita, porque passei o tempo noiado, procurando uma maneira de entrar em cena, botar os casacos-azuis pra correr, fumar o cachimbo da paz com o grande chefe e dar um creu na Dona Candice, minha prenda.



Só não fui acudi-la porque não tinha um jegue (e não dava pra entrar no filme de bicicleta) e o estrangeiro ficava ainda pra lá de São Paulo — que àquele tempo tinha pra mim ser o lugar mais longe do mundo. Viajara uma eternidade num pau de arara, que só conseguiu dar com os costados em Montes Claros.



Bom, se não entendi bulufas da fita, também não arranquei os cabelos. Devo ser sincero: não ia ao velho Cine Fátima para entender ôrra nenhuma, mas para dar em cima dos brotinhos.



O Fátima recebia tanta gente esperta nas matinés de domingo, Índio Velho, que às vezes a PM interditava o quarteirão entre as ruas São Francisco e Doutor Santos. Posso até estar enganado, mas pra mim foi lá que surgiram as expressões ‘circulando’ e ‘dança das cadeiras’.



Seguinte: a gente chegava mais cedo pra trocar gibis na porta. Depois entrávamos, aquele mundaréu de galalaus, e circulávamos pelos corredores, à procura de poltronas vazias perto de brotos que valessem a pena. No início. Porque depois, à proximidade do apagar das luzes, batia o desespero e saíamos à caça de qualquer trem que parecesse mulher.



Quando não iam com nossos cornos elas se levantavam e batiam em retirada; a gente também, antes que a turma percebesse o toco. Às vezes rendiam beijinhos e abraços e, com muita sorte, uns amassos da canela ao joelho, supra sumo para uma época em que a moral e os bons costumes ainda eram razoavelmente observados.



Nesses casos saíamos como um foguete pra casa, na Monark Barra Circular vermelha mais enfeitada que árvore de Natal, com guidonzão de monareta, última moda. No banheiro, pagávamos antecipadamente a promessa — um Pai Nosso e uma Ave Maria, pra que não nascesse cabelo na mão — e fechávamos a manhã de domingo com chave de ouro.      



Mas voltemos à rifa da égua morta: só voltei a reencontrar Dona Candice recentemente, em ‘Voando Alto’, comédia romântica na qual a cheyenne dos meus sonhos vive uma aeromoça aposentada que virou a curva do tempo.



Estranhei pacas a versão atual de Dona Candice. No cantinho do cérebro aonde a guardei todo esse tempo em que não mais me lembrei dela, ela continua a mesma cheyenne pela qual um tal Freud me explicara, mais tarde, me apaixonei platonicamente.



(Caso o Índio Velho não saiba, paixão platônica é um trem que pode atropelar qualquer adolescente, começando daí os ensinamentos de que na vida a gente é capaz de perder até o que não teve).



Isso explica porque depois de tantos séculos, pessoas que um dia foram apaixonadas às vezes se reencontram e recomeçam a relação de onde ela terminou, como se o tempo não tivesse passado e não pesasse sobre os ombros. Digo isso porque, apesar dos trocentos anos, ainda daria um creu em Dona Candice, nem que fosse em homenagem aos velhos tempos.



Porque não passa o tempo para a alma.



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