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Sexta-Feira,27 de Dezembro

Festa no vilarejo - por Antônio Augusto Souto

Jornal O Norte
Publicado em 05/09/2007 às 12:14.Atualizado em 15/11/2021 às 08:15.

Antônio Augusto Souto



Era dia de festa, no vilarejo serrano. A rua única estava enfeitada, inteira, por bandeirolas ingênuas e barraquinhas de feira.



Chegamos, no exato momento em que  repicava o velho sino da igrejinha antiga, convidando para a missa episcopal do Divino.



Chegamos, porque Zezé era o imperador e bancava a festa. Convidou-nos com antecedência e, na véspera, insistiu que fôssemos. Fiquei pensando: sessenta quilômetros de poeira, subidas e descidas de dar medo, cerveja quente, cachaça curraleira e churrasco de carne de pescoço...



Mesmo assim, topei o convite. Afinal, falou mais alto a curiosidade de ver o amigo vestido de rei. Fui com a patroa, o sogrão, a sogra e o concunhado Airton, que estava livre de sua oposição. Ela, na última hora, desistira.



A missa do senhor bispo demorou horrores. A igreja estava cheia e não suportava mais nem uma nesguinha de alma. Ficamos em pé, sob o sol de quase meio-dia de um domingo de agosto.



Eta pessoalzinho preguiçoso! Por que não plantaram, ao longo da comprida rua única, um renque de mangueiras, para fazer sombra e alimentar os passarinhos?



Finalmente, o sino voltou a repicar, querendo dizer “Ide em paz! Que o Senhor vos acompanhe!”. Deo gratias!



As pessoas que saíam da igreja formavam alas, a partir da porta. E eis que surge Zezé, paramentado de D. Qualquer Coisa: manto de cetim vermelho e coroa de latão. Sorria, mostrando quinhentos dentes. Com as mãos enluvadas, segurava o cetro, que tinha a forma daquela pombinha branca, simbolizando o Espírito Santo e, ao mesmo tempo, reafirmando seu poder monárquico.



Houve foguetório, vivas e revivas, quando o cortejo iniciou seu desfile real.



Ao nos ver, no meio do povo, batendo palmas e rindo, acho que o imperador ficou meio sem jeito, sem saber onde esconder as luvas brancas e a pombinha que segurava.



Nisso, chega caminhão Skol, cheio de enormes caixas de isopor. O cortejo logo se desfaz em filas, para beber espuma em copinho de plástico. Chega também carroça, trazendo dois ou três barris de madeira enegrecida. Logo se instala uma torneira e nova fila se forma.



Pensei: é muita cachaça. Para embriagar aquela fila e mais outra e outra, bastaria meio barril.



Quanto à fila da cerveja, esta continuava crescendo. Muitas pessoas já bebiam em canecas, tulipas e jarras que, certamente, foram buscar em  casa.



Pensei outra vez: se não derem de comer a esses beberrões, o vilarejo serrano, antes do fim da festa, vai passar de Bagdá.



Fomos para a casa do festeiro, que nos esperava, sorridente e livre da fantasia de rei. Serviram-nos cerveja gelada e um uisquinho maneiro.



À tardinha, quando voltávamos para casa, forrós rolavam soltos, na poeira.



Último pensamento: apesar do grande número de automóveis e da exótica presença de helicóptero pousado em lote vago, eu acabara de participar de autêntica festa roceira. Festa de alegria, festa dos que são simples e têm o coração puro.



P.S.: Este arremedo de crônica quis relembrar José Bicalho Noronha, que morreu, faz pouco tempo, em acidente estúpido. Quis, ainda, recordar Geraldo Durães Veloso, o sogrão que, faz muitos anos, mora na eternidade  mas  habita meu coração.

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