Anelito de Oliveira
Doutor em Letras pela USP, professor dos Programas de Mestrado em Letras e Desenvolvimento Social da Unimontes .
A Escola de Formação de Fé e Política, inaugurada pela Arquidiocese de Montes Claros no sábado 05 de setembro com conferências do Arcebispo Dom José Alberto Moura e do Padre Antônio Alvimar de Souza, é fato da maior importância, que precisa ser assinalado. Há nessa ação um exemplo de coragem e determinação em face do campo social que a maioria das pessoas e instituições, mesmo com toda boa vontade, não pôde nem poderia dar nesta região, por motivos óbvios: censura, retaliação etc.
A Arquidiocese, com a autoridade que lhe conferem a Igreja Católica e a sociedade, toma uma atitude em face do aqui e agora que, no fundo, representa a vontade de muitos, especialmente de sujeitos e organizações envolvidos na produção de conhecimento. Para estes, a questão central, em relação ao Norte de Minas, sempre foi e continua sendo fundamentalmente política: como articular, na “sala de aula”, produção de conhecimento e realidade social, contribuindo para a necessária transformação de um campo social historicamente marcado pela injustiça?
Como entrave natural ao desenvolvimento dessa tarefa, sempre se apresentou e continua a se apresentar o que genericamente se entende como religiosidade, uma vinculação a determinada religião, geralmente ao Catolicismo. A prática de uma pedagogia da transformação, objetivamente interessada na formação de sujeitos para a mudança das condições injustas de vida em sociedade, sempre esbarrou numa verdade cultivada, forçosamente, por esses próprios sujeitos como sendo a única verdade.
Essa verdade preconiza que o conhecimento tem a ver apenas com o próprio conhecimento e que a sociedade tem a ver apenas com a própria sociedade, de tal forma que seria inadequado, antes de mais nada, tratar de sociedade efetivamente – não apenas num nível abstrato, ideal – na “sala de aula”. Ora, é assim que os centros de formação – não só aqui, mas em todo o Brasil profundo, em todo o território que corresponde ao interior do país – convertem-se em centros de instrumentação, com uma utilidade enorme para a dinâmica capitalista.
Adquirindo conhecimento instrumental, egressos desses centros de instrumentação, muitos com o deplorável perfil de “analfabeto funcional”, acabam por encontrar seu lugar ao sol nas instituições e empreendimentos mais privilegiados, de onde dão sua excelente contribuição para que a sociedade continue sendo o purgatório da maioria fraca, porque sequer teve direito a ir à escola, e o paraíso de uma minoria forte, que, com a razão forjada por ela mesma, considera-se abençoada por Deus.
Assim, nesta ordem de compreensão, nem é preciso dizer a quem interessa uma escola, um espaço de formação, onde não é possível uma pedagogia da transformação de pessoas puras, sem as maldades comuns aos “experts” do mundo capitalista, em pessoas puramente críticas, capazes de perceber de forma aguda o processo sociohistórico em que estão inseridas, compreender, no limite, que as características desse processo constituem, lembrando Nietzsche, uma “Erfindung”, uma invenção, e não uma “Ursprung”, uma origem, tampouco uma origem divina, imutável.
A impossibilidade – que constatamos diariamente – da prática de uma pedagogia da transformação na escola em geral, em todos os níveis, tanto na rede pública quanto privada, em regiões como esta, onde a transformação da sociedade é a resposta que a realidade em si exige, não deixa outra alternativa àqueles que estão sinceramente com os pobres, com os oprimidos, com os que sofrem neste mundo aparentemente tão feliz: inventar novos lugares de produção de conhecimento, livres das amarras interessadas de um espaço público ou privado dominados por valores ideológicos de uma mesma classe.
Nesses novos lugares de produção de conhecimento, de que a Escola de Formação de Fé e Política constitui já uma referência no Norte de Minas, pode-se processar, com liberdade de pensamento e expressão, uma ressignificação da ação educadora, na qual um horizonte humanista, fundamentado num senso de justiça, passa a ter vez, em lugar do horizonte funcionalista das escolas comuns estabelecidas, interessadas – mesmo - só na formação de consumidores, presas fáceis de uma lógica societária nojenta.