Eu excomungo Dom José Cardoso Sobrinho!

Jornal O Norte
Publicado em 10/03/2009 às 09:52.Atualizado em 15/11/2021 às 06:52.

As pessoas alegres fazem mais loucuras do que as pessoas tristes, porém, as loucuras das pessoas tristes são mais graves. (Mihai Eminescu)



Georgino Neto


Escritor



O Brasil assistiu, no dia 04 de março de 2009, ao mais puro e concreto ato de intolerância e desrespeito à vida humana. Não se trata aqui de ser contra ou a favor do aborto. Cada um, com a sua consciência, que pense o que é ou não correto, de acordo com os seus valores morais, éticos, ideológicos e religiosos. O que não se pode aceitar, em hipótese alguma, é que um senhor se ache no direito divino de, em nome de Deus, ditar o que se pode e o que se deve fazer, sob a ameaça insidiosa do desamor deste mesmo Deus por seus filhos.



O caso: uma menina, criancinha mesmo, de nove anos de idade, é estuprada pelo padrasto, na cidade de Alagoinha, distante 230 km de Recife, em Pernambuco. Por si só, um fato hediondo e cruel, digno da nossa repulsa e indignação, que nos faz imaginar que espécie de gente (??) seria capaz de ato tão terrível. Como se isto não fosse suficientemente bárbaro, o estupro fez com que a criança engravidasse. De gêmeos. Uma gravidez que, segundo os médicos, oferecia altíssimo risco à vida da mãe de nove anos e dos fetos.



O bom senso, ou o senso de humanidade fraterna, em um caso como este, nos dita que a retirada dos fetos, para além de qualquer crença, seja a melhor solução. A melhor não; a única. Manter a gravidez, a pretexto do argumento hipócrita e falacioso da Igreja Católica de defesa da vida, somente traria muito mais dor e sofrimento do que já causado. Construiria uma situação bizarra, onde caso sobrevivessem, uma garotinha de nove anos brincaria com suas duas bonequinhas de carne e osso, fruto de uma agressão física e psicológica aterrorizante. Com que condições estas crianças (as três) sobreviveriam diante de tamanho impacto?



A reação da Santa Igreja Católica foi a mais conservadora imaginável. Reacendeu a fogueira da Inquisição, que na Idade Média impôs o amor (temor) de Cristo, ao dizimar milhares de pessoas por desrespeitarem as leis de Deus. Justamente por desrespeitarem a lei divina, o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, tomou a inexpugnável decisão, retrógrada e arbitrária: excomungou os médicos e a mãe da menininha, que permitiram e aceitaram tamanha afronta a Deus, qual seja, a interrupção das vidas que a mãe-criança trazia em seu ventre. Retirou do rebanho as ovelhas perdidas, que pensaram na vida da criança em detrimento dos fetos. Alegou: “a lei de Deus está acima da lei dos homens”. Que Deus? Um Deus que permite que tal brutalidade ocorra? Um Deus que permite a desigualdade entre os homens? Por que não excomungar o padrasto estuprador? Nesta ótica, a Igreja teria que excomungar então todos aqueles que contribuem para que vivamos em uma sociedade onde vinte por cento das pessoas detêm oitenta de toda a riqueza produzida. Teria que excomungar os padres pedófilos. Excomungar aqueles que exploram a fé e a crença de pessoas ingênuas e miseráveis. Os que enriquecem à custa do sofrimento alheio. Os que vão à missa e rezam em público, mas desdizem tudo às escondidas. Excomungar, sem dó, as pessoas que não possuem bondade no coração e não são fraternas com o seu próximo. Excomungar, ainda e finalmente, todo aquele que ... não ama.



Como muito provavelmente também serei excomungado, por dizer o que penso ( e, devo admitir também, por alguns pequenos pecados indizíveis), adianto que não sou ateu, nem tampouco sou contra Deus. Pelo contrário. O amo profundamente. Mas o Deus que amo é um Deus amoroso, piedoso, justo e acima de tudo, humanamente compreensível com os erros dos seus filhos imperfeitos. Dirão as pessoas: logo você, dizer essas coisas? Você, que foi concebido não com o sentido deliberado de reprodução e perpetuação da espécie? Pois bem. Já imaginaram, se os meus pais pensassem como eu? Provavelmente não estaria aqui,agora, escrevendo essas bobagens que atentam contra a Igreja. Meus pais optaram pela vida, a minha vida, à custa de todo o sacrifício que isto poderia trazer para eles. Gesto nobre. Mas nobre, senhores e senhoras, por conta do amor que os unia (os une). A decisão deles perpassou pelo sentimento que nutriam (nutrem) um pelo outro, e não pelo temor às normas coercivas da Igreja. Preferiria não nascer, a nascer em um ambiente onde não seria querido, desejado e amado, como fui (como sou).



De tudo, é preciso compreender Deus. E embora isto seja uma tarefa aparentemente impossível, Eduardo Galeano, genial escritor uruguaio, aponta indícios preciosos. Diz ele: “com premeditação e deslealdade, cometi o ato do amor sem o nobre propósito de reproduzir a mão de obra. Sei muito bem que o pecado carnal não é bem visto no céu; mas desconfio que Deus condena o que  ignora”.

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