José Geraldo de Freitas Drumond
Membro da Internacional Academy of Legal Medicina e da Academia Mineira de Medicina
“Medical Ethics”, considerada obra fundadora da deontologia médica, foi redigida por Thomas Percival, no ano de 1792, com a finalidade de servir como regulamento para um hospital da Inglaterra - o Manchester Royal Infirmary-, tendo sido publicada em 1803.
Percival fora chamado a intervir numa disputa entre médicos, cirurgiões, dietistas e farmacêuticos quanto à definição de suas atribuições e responsabilidades no tratamento de pacientes internados com febre tifoide, em Manchester, na Inglaterra.
Encontrando-se afastado da profissão por motivo de uma deformidade física, havia se destacado em Manchester como clínico, administrador hospitalar, sanitarista e fundador de um colégio profissional que agrupava médicos, cirurgiões e farmacêuticos, considerados rivais até então.
Sua obra de inestimável valor histórico, filosófico e político, contribuiu sobremaneira para a consolidação da profissionalização médica, balizando suas relações com outras profissões da saúde, além de reafirmar as responsabilidades do médico perante a sociedade, no exato momento em que a ciência e a tecnologia iniciavam a sua entronização (que mais tarde se revelaria definitiva) na Medicina, no começo do século 19.
Coube a Percival o mérito de promover a transição da hegemônica tradição hipocrática para uma ética menos doutrinária e mais normativa, ainda que preservando os fundamentos doutrinários daquela, como a exortação às virtudes, acrescentando a prescrição de direitos e obrigações profissionais.
O seu livro, sistematizado em quatro capítulos, trata da conduta profissional nos hospitais, da prática privada e da relação com os farmacêuticos, além das obrigações legais. Nele se encontram as quatro dimensões canônicas da deontologia médica: o papel do profissional, a relação terapêutica, a relação entre colegas e a relação com o Estado.
Nele são descritos critérios de moralidade, baseados na teoria da virtude. A figura do médico surge como a de um “gentleman”, como determinava o padrão cultural britânico, prescrevendo o paternalismo médico-paciente e o “esprit de corps”.
Mas é no caráter normativo - portanto, deontológico - que Percival se esmerou em unificar a prática médica, mirando no profissionalismo médico e no benefício do paciente o seu maior e real objetivo, como bem acentuou: “O bem do paciente é o único objetivo da Medicina”.
Percival definiu, de fato, as funções e as áreas de competência de médicos, cirurgiões e farmacêuticos e os seus respectivos relacionamentos naquilo que fosse de domínio comum no cuidado prestado ao paciente. Nos Estados Unidos da América, o código de ética médica foi institucionalizado pela Associação Médica Americana, no ano de 1847, com a finalidade de regulamentar o exercício profissional e o ensino da Medicina. À época, o país que assistia à proliferação de uma medicina marginal e de diversas seitas curativas, que participavam de um movimento social denominado “Popular Health Movement”, proclamador do slogan “cada homem é o seu próprio doutor”.
O resultado era uma insuportável “concorrência” de homeopatas, quiropráticos e inúmeros curadores, o que demandava uma ação imediata de regulamentação.
Depois de criada, no ano de 1948, a Associação Médica Mundial proclamou o Código Internacional de Ética Médica, que se tornou um documento de referência por reunir os princípios mais importantes de ética, superando normas de etiqueta, com o estabelecimento de um eixo moral baseado na chamada “regra de ouro”: “Faça ao outro aquilo que gostaria que lhe fosse feito”.