Espírito jovem

Jornal O Norte
Publicado em 24/08/2010 às 10:29.Atualizado em 15/11/2021 às 06:36.

Felippe Prates



“Fairy tales can come true, it can happen to you, if you’re young at heart”.  A música de Carolyn Leigh e Johnny Richards, cantada por Frank Sinatra, era um dos exercícios no curso de inglês da nossa juventude.  Dotado de muita facilidade para o aprendizado de idiomas estrangeiros, já aos 14 anos eramos assistente da professora e sempre estavamos a repetir esse refrão de “Young at heart”.  Dominávamos as regras gramaticais, o que não entendíamos era o conceito “ser jovem de espírito”.



Fomos dos adolescentes mais velhos que já conhecemos.  Achavamos o carnaval uma saqueira, nada mais do que uma manifestação furada em que todo mundo era obrigado a ser feliz com data marcada, cantar, pular e principalmente suar.  Tatuagem, coisa de tribos ancestrais que se rabiscavam para se distinguir dos animais.  Beber, coisa que Mamãe jamais aceitou, só se fosse aguadas sangrias, em dias de festa, em que o vinho passava tão longe que mal se sentia o gosto, emboramente o copo chic, adequado.  Dá para perceber que nunca ficamos de pilequinho...



- Que velho que nada, você era um esnobe, ousa pensar você, nossa querida leitora.



Melhor assim: um adolescente civilizadamente vigiado, de perto, com poucos amigos, não acampava nem bebia chope em pé na calçada.  Qual não é a nossa surpresa, ao descobrir que hoje, a geração atual, dos 5 aos 25 anos, está muito, mas muito mais madura que a nossa!  Se não é na atitude, com certeza é nas tiradas!



Cena 1:



Rio, Largo do Machado, mesa no Lamas:  Muito barulho.  Pratos de contrafilé à francesa.  A conversa passa inevitavelmente para as eleições.  Vozes se exaltam, outras murcham.  A única pessoa serena é a filha de minha amiga Simone, moça de l8 anos, que é uma Juliana Paes requintada:



- Acredito na democracia.  E por ser representativa, toda democracia pede alternância de poder.



A mesa segura os queixos caídos, muda de assunto e ataca os contrafilés.



Cena 2:



Pizza de domingo no Eccelenza.  Próxima à porta de entrada, sentada no chão, uma adolescente de uns 15 anos pedindo esmolas e com cara de fome.  Perguntamos se pudemos lhe oferecer um *joelho, acompanhado de um copo de café com leite.



 - Eu só tomo toddy, responde ela, olhos arregalados, passando-nos um pito!



Ganhou o toddy e nós ganhamos a lição/dúvida:  Tá ficando difícil ajudar essa gente nova?



Cena 3:



Lanche no Joe & Leo’s.  Ao neto Luiz Felippe, l4 anos, oferecemos uma coca-cola para acompanhar o sanduíche:



 - A minha geração é a do mate, corrige.



Enquanto espera o hambúrguer, diverte-se com o nosso celular . Distraídos, conversamos com o filho Guilherme e não pensamos mais nisso, até que esta semana, por acaso, vimos em Notas, há 21 dias:  “Vovô: Eu. Te. Amo. Luiz Felippe”.



Cena 4:



Juliano, l2 anos, amigo do Luiz Felippe, para nós:



 - Você está com uma barriguinha.  Tem que emagrecer.



Cena 5:



Maria Eduarda, neta da vizinha do l404, uns 10 anos, dando uma espiada da porta da rua:



 - Gostei do seu apartamento.  Tem bom gosto.



Criança que manda emagrecer, manda mensagens de amor, que tem noção do que seja bom gosto, que diz “minha geração”, será que elas estão mais evoluidas ou é só impressão e memória curta?



Não valem casos excepcionais, como o do sobrinho Maneco, hoje quarentão, quando, aos 6 anos, brincando com um caminhãozinho de madeira num canto da sala, aparentemente distraído mas ouvindo a Vovó Isa e seus parceiros de “caixeta”, que comentavam o affair de um parente:



 - A prima Emília prevaricou?



Nesta hora, cara leitora, você que ousou cogitar esnobismo na nossa adolescência, deve estar pensando que enlouquecemos, pois vamos falando, falando e até agora não revelamos o que, afinal, é ter espírito jovem ou ser jovem de espírito.  Na verdade, não sabemos teorizar sobre, só conhecemos a prática: era Mamãe desejando pilotar um planador, era Papai lançando um livro muito interessante, era Vovó Idalina, juscelinista roxa, aos 80 anos, prontinha para conhecer Brasília, ou é a amiga cuca fresca da fila do Banco, 77, uma bela senhora, sobre o enredo da novela Passione:



 - Uma pessoa do nível da Fernanda Montenegro bem merecia ter um caso com um garotão...



* Joelho: sanduíche de queijo e salame



Referência: Revista Ela.



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