Neumar Rodrigues *
Faz quase um século que a princesa Isabel faleceu em Paris no dia 14 de novembro de 1921. Nascida no Rio de Janeiro, segunda filha de dom Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina, teve atuação marcante diante da escravidão existente na época no Brasil. Foi por três vezes regente do império no intervalo de 1871 a 1888, substituindo o governador nas ausências do imperador d. Pedro II. Em 28 de setembro de 1871, sancionou a Lei do Ventre Livre, e em 1888, a Lei Áurea, lei esta que extinguiu a escravidão em todo o Brasil. Recebeu o cognome de “a Redentora”. Logo depois da Proclamação da República, a família Imperial foi banida do Brasil e a princesa acompanhou-a no exílio. Seus restos mortais foram transferidos para o Rio de Janeiro, com os de seu marido, o Conde D’Eu, em 6 de julho de 1953. Por ter promulgado a Lei Áurea, a Princesa Isabel alcançou um lugar de destaque na História do Brasil.
Passaram-se tantos anos desde a Lei Áurea. Os meios de produção se sofisticaram. Vivemos a era da globalização, da intercomunicação, do automatismo, da inclusão social, do orgulho gay, da exploração do espaço, da vingança da natureza em retorno à destruição desmensurada. O sistema comunista ruiu, o capitalismo não distribuiu renda e os países lutam desesperadamente para produzir cada vez mais a custo menor, sem mensurar o custo indireto do frenesi a médio e longo prazo. Cada vez mais os ricos têm ficado mais ricos e os pobres mais pobres.
País como os EUA, berço do capitalismo moderno, gasta bilhões de dólares em guerras insanas, enquanto algumas dezenas de milhões de americanos vivem abaixo da linha de pobreza. No Brasil, vivemos fases difíceis no aspecto político e social e a democratização veio com promessa de ventos de renovação e crescimento, mas na verdade na prática mostrou-se o vento da peste.
Também aqui se alarga o fosso entre os ricos e os pobres e também os recursos naturais são explorados à exaustão como se fossem infinitos.
Os trabalhadores cada vez precisam trabalhar mais para ganhar menos, pois a substituição nas últimas décadas de mão-de-obra por máquinas trouxe um contingente enorme de desempregados dispostos a qualquer salário para sobreviver, permitindo que os empresários os explorem como querem. Um dos setores que mais têm se desenvolvido no Brasil nos últimos anos é o agronegócio. O setor açucareiro teve um impulso espetacular nos últimos anos em função da necessidade de combustíveis menos poluentes e cada vez mais pessoas estão sendo empregadas no setor. No entanto, enquanto os escravos libertados pela princesa Isabel, apesar de explorados e serem todos negros, tinham casa para morar e comida para comer, os trabalhadores modernos não têm. O dono sabia que para ter a mão-de-obra disponível do escravo, precisava lhe fornecer muita energia para queimar no trabalho. Os cortadores de cana, da mesma forma que grande contingente de trabalhadores, não conseguem sobreviver adequadamente com o que os empresários lhes pagam.
Segundo estudo efetuado na Unesp, os usineiros obrigam os cortadores de cana a cortar 15 toneladas de cana por dia. Com isso, ao menos 19 cortadores de cana já morreram no interior de São Paulo por excesso de trabalho nos últimos anos. Aos donos, na época da escravidão, isso lhes custava caro, pois haviam comprado cada um dos escravos e sua morte era prejuízo certo. Para os empresários atualmente, a morte de um operário não lhes custa absolutamente nada, pois logo no dia seguinte à sua morte outro desempregado será contratado para o mesmo serviço em troca de migalhas. Segundo a pesquisadora, os cortadores de cana têm vida útil de trabalho inferior à dos escravos.
Antes os escravos eram os negros trazidos da África. Agora os escravos modernos não têm cor, origem ou raça. Qualquer um pode ser mais uma vítima. Basta que esteja desempregado. Pobres trabalhadores!
* Jornalista