Délio Pinheiro *
Em uma aldeia no norte do Tibete uma jovem mãe que acabara de perder seu único filho, saiu correndo pelas ruas da cidade, levando nos braços o corpo inerte do menininho de um ano. Ela foi direto na casa do líder espiritual da aldeia e pediu ao sábio que lhe desse um remédio que pudesse “curar” a morte de seu filho. O sábio aconselhou-a a procurar uma semente de mostarda em uma das casas da aldeia onde nunca tivesse ocorrido uma perda. Com as sementes, o sábio pretendia fazer um chá para “resgatar” a criança da morte. A mãe saiu correndo pelas ruas empoeiradas da aldeia em busca da tal semente de mostarda. Mas em todas as casas as pessoas diziam: “Aqui já perdemos muita gente”, “Semana passada perdi meu velho pai”, “Eu também perdi um bebê como o seu há alguns anos”. Então, a mãe entendeu a lição do velho sábio. Ela voltou até a casa do velho e disse: “O sofrimento me deixou cega a ponto de achar que era a única pessoa a sofrer nas mãos da morte”.
- O Paulo Coelho deve conhecer essa passagem da sabedoria milenar...
Bom, é possível tirar duas conclusões dessa pequena introdução. A primeira é que o Paulo Coelho deve conhecer essa passagem da sabedoria milenar, essa e outras 378 mil, e que ela deve aparecer em algum de seus livros de auto ajuda, a segunda, e mais importante, é que não devemos deixar essa espécie de egoísmo diante da dor universal influenciar nossa maneira de ver os fatos. A morte é inevitável, e ponto. Se bem que quando somos bafejados por seu hálito mortífero sentimos que estamos carregando um fardo insuportável. Mas isso também não é verdade. Não sei bem de onde, mas o fato é que a vida continua nesse país de 3° Mundo mesmo depois da morte de um presidente ou daquele seu avô que luta contra a “doença ruim”. A vida simplesmente não seria completa sem esse detalhe macabro. “Nascer, crescer, reproduzir e bater as botas”, lembra?
- A senhora que foi vítima dessa barbaridade provavelmente é freguesa de meus pais...
Pois é, o que me levou a escrever sobre esse assunto para as páginas do “Opinião” foi uma notícia que li no “O Norte” na semana passada sobre um estupro que aconteceu em Serranópolis de Minas, onde um rapaz de 26 anos estuprou uma anciã de 84. Para mim essa notícia teve um sabor mais amargo ainda, porque eu conheço tanto a vítima quanto o estuprador. E quando a informação, que por si só já é terrível, é acrescida de fisionomias, cheiros e lembranças da infância, isso se torna ainda mais aterrador. Eu nasci em Serranópolis e minha família mora lá. A senhora que foi vítima dessa barbaridade provavelmente é freguesa de meus pais, que são comerciantes desde sempre na minha “pequena aldeia”, e o rapaz que cometeu o crime é meu conhecido de infância.
Essa notícia me levou a refletir sobre as escolhas que temos na vida. Optar pelas escolhas erradas é, seguramente, a forma mais rápida de nos aproximarmos do “grande vazio”. Pois perder gradativamente sentimentos como educação, gentileza e respeito nos enreda cada vez mais numa existência vazia, e ter uma vida vazia eqüivale a morrer.
E se a morte é mesmo inevitável, e nesse particular ninguém parece discordar, o mais importante é que tornemos os nossos dias os mais agradáveis possíveis. Aquele velho receituário para uma vida saudável que prega que devemos fugir do stress, evitar a ingestão de gorduras, exercitar-se fisicamente e manter a mente sempre ativa, é extremamente importante. Mas eu acrescentaria que cuidar da alma, fazer trabalho voluntário e se importar com os problemas dos outros também é essencial.
Por isso, gostaria de “pedir a benção” para a senhora que foi seviciada em Serranópolis, como forma de mostrar todo o respeito que ela merece, e, ao contrário do que nossos sentimentos urgentes possam indicar, desejo uma recuperação para o jovem Deca, é esse o apelido dele, e que algum dia ele possa perceber as coisas boas da vida e se emendar. Porque precisamos ter sempre esperança, eis aí mais um item do receituário que eu já ia me esquecendo, pois as escolhas estão aí bem debaixo do nosso nariz, e ser bom ou mal, útil ou inútil, só depende de nós.
Santo Agostinho, um dos grandes sábios do cristianismo, disse certa vez que “a medida de amar é amar sem medida”. Só nos resta concordar.
* Jornalista e escritor
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